Uma enfermeira ao sol e no luxo de Riade

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Cátia Gomes. FOTO DR

Cátia Gomes. FOTO DR

Cátia Gomes é de Brasfemes, às portas de Coimbra. Emigrou aos 37 anos, após mais de década e meia de serviço à causa da enfermagem A sua vida foi, e é, paixão permanente. Pela família – tem uma irmã gémea, também enfermeira –, pelos amigos, pela profissão, pelos animais, pela vida.

O primeiro emprego foi no Hospital Curry Cabral, em Lisboa. Quando saiu, “deixou” tantas saudades que ainda hoje há uma fotografia sua, no hall de entrada dos cuidados intensivos. Depois, foi o regresso a Coimbra e o abraço ao Hospital dos Covões. Pelo meio ficou uma missão em Moçambique.

Entretanto, o país mudou. Aos poucos, tratou de escorraçar os seus quadros, esvaziando de enfermeiros os centros de saúde e os hospitais. E os que resistem não sentem reconhecimento profissional nem veem progressão nas carreiras.
No final do ano passado, Cátia ganhava uns mil euros por mês – menos do que quando começou a trabalhar. No início deste ano cansou-se. E partiu.

Ao contrário de aqui, não falta cobiça, reconhecimento e retribuição lá fora para os enfermeiros. Por isso, abundam as empresas internacionais de recrutamento. Cátia Gomes acertou tudo com a Profco, uma firma finlandesa, depois de “passar” nos exames – experiência de três anos, inglês, saúde (incluindo teste de gravidez), etc.

Em Portugal, não quis perder o seu vínculo à Administração Pública. Mas o país não quis (não quer…) saber e negou-lhe a licença sem vencimento. Nos Covões, nem sequer conseguiu que o diretor de enfermagem do CHUC a recebesse…

Não esmoreceu. E partiu mesmo. Tal como nos Covões, o destino foi o serviço de urgência, no caso, o do King Abdulaziz Medical City National Guard Health Affairs, em Riade.

Na Arábia Saudita, Cátia Gomes é uma privilegiada. Ganha à volta de 3.900 euros e não tem de pagar impostos nem fazer descontos. Na capital, Riade, vive num condomínio de invulgar luxo com ginásio, piscinas, spa, court de ténis, squash… Para além disso, tem transporte assegurado para o hospital e compras, 56 dias de férias, duas viagens pagas por ano e acesso a formação grátis.

No plano profissional, o desafio é aliciante. “Aqui, para doentes críticos, há um enfermeiro por doente. Para os agudos, são dois doentes por enfermeiro”. Nada que se compare com os Covões, onde tinha turnos com dois enfermeiros para mais de 30 doentes… “Fazíamos o nosso melhor, mas alguma coisa tinha de falhar”, lamenta.

A Arábia Saudita é um país fechado aos ocidentais e ao seu modo de vida. E é ainda menos tolerante para com as mulheres – não podem guiar, por exemplo. Como diz Cátia, a mulher é “tratada com um jeito especial, como uma pedra preciosa, mas é considerada inferior ao homem”.
Ao todo, aquela espécie de babel de enfermeiros conta com 55 nacionalidades. Há poucos homens. De Portugal, então, são todas mulheres, não mais de uma trintena. De Coimbra, para além de Cátia, há apenas Isabel, que também teve de deixar os HUC.

No hospital, tem de falar inglês – ou árabe, que aos poucos aprende. Nas folgas, se quiser sair, tem de usar abaya – uma túnica preta – e, nalguns locais também lenço. Mas, sair para onde? A temperatura média supera muitas vezes os 40 graus. Depois, não há discotecas, bares, música e até cinema…

No condomínio, que é só para estrangeiros, é tudo diferente. Há festas e até fazem álcool. “Como? Compra-se fruta, fermenta-se e tal… temos que nos desenrascar”. As embaixadas, “onde se consegue ter um cheirinho de normalidade”, são outros locais de frequentes pontos de encontro.

À sua maneira, Cátia é uma emigrante típica num atípico país de imigração. Dizem-no a bandeira de Portugal à porta de casa e o contacto regular e intenso com a família e os amigos. Felizmente há banda larga e wifi para o Skype e para o Facebook…

Cátia Gomes vai ficar na Arábia Saudita cinco anos, se tudo correr bem. Ou mais, quem sabe. “Se aqui tivesse a minha família, o Choupal, os meus animais, os meus amigos… então isto era o meu Portugal”, desabafa.

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