O João e a Clara vivem juntos há vários anos, compraram casa porque na altura era uma solução mais em conta do que pagar uma renda, planearam as suas vidas para dali a uns anos terem filhos.
Ela é professora contratada desde sempre, ele designer sempre trabalhou a recibos verdes. Desde há três anos que a Clara não consegue colocação, já perdeu o subsídio de desemprego.
O João tem meses em que não há trabalho, ou pelo menos trabalho remunerado, e tem meses que tira pouco mais de 400 euros. Os pais dela ajudavam como podiam, e os pais dele esticavam a pensão cortada para ajudar a pagar o empréstimo da casa.
Naturalmente, com este quotidiano, o desejo de ter filhos ficou cada vez mais adiado. Em março de 2012, emigraram para o Reino Unido.
O Nuno e a Marta têm um filho de 9 anos e há muito que queriam dar-lhe um irmão. Ele trabalhava numa empresa cerâmica que entretanto encerrou, já perdeu o subsídio de desemprego e o social de desemprego.
Ela trabalha em limpezas e começou a ter cada vez menos trabalho. Deixaram de conseguir pagar a renda da casa e tiveram que voltar para casa dos pais. O Nuno dorme na casa dos pais, a Marta e o filho ficam na casa dos pais dela e vão alternando as refeições para poderem estar juntos. O Nuno já foi para França, mas voltou por falta de trabalho.
A Maria e o António conciliaram sempre estudos e trabalho, que é como quem diz, trabalham há vários anos em call centers para pagar despesas de educação e do dia-a-dia. Ambos têm formação superior e várias pós-graduações, mas nunca trabalharam na sua área de formação.
Os 500 euros que cada um aufere, a instabilidade de contratos mensais e a renda de casa que absorve quase um salário nunca lhes permitiu planearem o nascimento de um filho.
Há uns anos atrás quando a Laura engravidou trabalhava num grande supermercado. Tinha um contrato a prazo e quando terminou estava gravidíssima de 8 meses, informaram-na de que não seria necessário renovar o contrato porque deixaria de ser necessária para a empresa – o que confere uma enorme ilegalidade.
Noutro grande supermercado, quando os candidatos preenchiam o formulário para candidatura a emprego eram obrigados a responder se tinham filhos e a colocar num quadradinho a respetiva idade – outra Ilegalidade. A empresa foi obrigada a retirar esta parte do formulário, mas logo informou que seria para no Natal distribuir prendas de acordo com a idade.
Em 2010, as trabalhadoras da TAP e da ANA não receberam o subsídio anual de assiduidade, porque “faltaram” ao trabalho por gozo da licença de maternidade. Mais uma legalidade. Depois da sua luta e intervenção do sindicato foi-lhes pago o devido subsídio.
São oito da noite e a notícia de abertura do telejornal é o anúncio de um suposto relatório encomendado pelo PSD sobre natalidade. Hipocrisia política. O João e a Clara, o Nuno e a Marta, a Laura e as trabalhadoras da TAP, e tantos outros por esse país fora, sabem bem o porquê da hipocrisia política.