Foi com uma inegável sensação de profundo espanto que li uma notícia hoje sobre umas declarações do presidente do Deutsche Bundesbank (Banco Federal Alemão), Jens Weidmann, no qual este terá admitido a possibilidade o Banco Central Europeu poder recorrer a programas de estímulos do tipo quantitative easing (compras de activos financeiros, como títulos de dívida pública), como o famoso OMT (Outright Monetary Transactions).
Para quem não tem acompanhado este folhetim europeu, dir-se-à sucintamente que o programa OMT, assim que foi anunciado e estruturado pelo BCE (as famosas declarações de Draghi de “tudo faremos para salvar o Euro”), foi o suficiente para parar a subida de taxas de juro e subsequentementes faltas de liquidez. Nessa altura (em 2011 ) os mercados não só não emprestavam dinheiro aos países em dificuldades como estavam a parar de emprestar aos bancos dos países da zona Euro que ainda não tinham sido resgatados ou que teoricamente não estariam em dificuldades (franceses, alemães, etc.). As declarações do presidente do BCE, e subsequentes medidas, resolveram o problema da confiança e salvaram o Euro.
Acto consequente, alguns cidadãos alemães mais zelosos do seu dinheiro e pouco crentes no princípio da solidariedade, apoiados pelo Sr. Jens Weidmann e o Deutsche Bundesbank, deram entrada de um processo no Tribunal Constitucional Alemão com vista a declarar a conduta do BCE como contrária à Constituição Alemã, o que poderia, na prática, impedir a Alemanha de contribuir para estes programas, que é o mesmo que dizer que tal medida seria aniquilada por perder toda e qualquer credibilidade sem a participação da Alemanha.
A decisão do TC alemão veio dar razão ao Deutsche Bundesbank, com a nuance de não aplicar imediatamente a mesma e remeter o processo à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (que não tem poderes para revogar a decisão do TC Alemão).
O que me espanta é que o Sr. Jens Weidmann e o Deutsche Bundesbank não ignoram os efeitos económicos, financeiros e monetários das consequências da decisão de “chumbo” do TC alemão. Também não ignoram que uma das razões para a qual foi imposta uma dura dose de austeridade aos países intervencionados ser justamente o facto de a Alemanha recusar qualquer política monetária de estímulos (“imprimir” dinheiro e injectá-lo na economia via sistema financeiro) por parte do BCE.
Depois da catástrofe que foi a política desregrada de austeridade imposta pelas instituições europeias, que não logrou atingir um único objectivo, meta ou efeito a que se propôs (salvo reduzir o nível de consumo privado via empobrecimento geral da população), vemos agora o Sr. Weidmann e o Deutsche Bundesbank admitir que um programa de estímulos financeiros pode ser possível e desejável.
Ou seja, depois de todo o sofrimento, pobreza e desigualdade que foi o “grande sucesso” dos programas de austeridade, o mais alto responsável pela política monetária e macro-económica alemã vem dizer, indirectamente, que tudo isto poderia ter sido evitado (ou minorado) se tivessemos feito o que o Estados Unidos e Japão fizeram em 2009.
Depois da questão ucraniana, em que a União Europeia (e aqui, em particular, a liderança alemã) mostrou mais uma vez a sua total incapacidade para defender os seus interesses, conseguimos aperceber-nos que também no campo da política económica e monetária das duas uma: ou ninguém faz patavina de ideia do que andam a fazer ou, pior, o objectivo da austeridade era claro, perceptível, desejável e está a ser conseguido em todo o seu “esplendor”.