Presidente emérito do Conselho Técnico-Científico do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC), do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC), Marques de Almeida defende, em entrevista ao DIÁRIO AS BEIRAS, o fim da via binária no ensino superior
Como vai o ensino superior em Portugal sobreviver aos sucessivos cortes no financiamento?
O ensino superior em Portugal é baseado na chamada via binária, em que há universidades e institutos politécnicos a ministrar praticamente os mesmos cursos. Na atual conjuntura, muita gente põe em consideração se num país pobre, com o PIB a decrescer, se justifica, sob o ponto de vista científico, existir esta via binária.
E justifica-se?
O que se pretendia introduzir com esta via binária era alguma competitividade, mas o que se verifica é que os politécnicos, por força das exigências do regulador, criaram uma estrutura de corpo docente muito idêntica à das universidades. Os institutos politécnicos, pela própria estrutura docente que têm, estão, digamos, a copiar os cursos universitários, e a universidade a copiar os cursos politécnicos. E as experiências internacionais, de facto, apontam para a não existência desta via binária.
A que exemplos internacionais se refere?
A Inglaterra já acabou com a via binária há mais de 10 anos. E o exemplo de Espanha é considerado como o de maior sucesso na integração da via universitária e da via politécnica. Em Espanha, o ensino politécnico, ou um ensino mais prático, está integrado na própria universidade, e, deste modo, racionalizam os meios. Se analisarmos, Espanha tem cerca de 40 universidades, ou seja, uma para cerca de 1,3 ou 1,5 milhões de pessoas. Pelo critério espanhol, nós só devíamos ter seis ou sete universidades, mas temos 16. E a este número ainda acrescem os politécnicos.
Defende que acabar com a via binária reduziria os custos do ensino superior?
Se eliminássemos a via binária, isso contribuiria decisivamente para uma redução acentuada dos custos do ensino superior. E é lamentável que os responsáveis políticos não equacionem uma alteração desse género em Portugal. E não o pensam por uma razão muito simples: o ministro Nuno Crato é um ministro do ensino secundário, não pode ser considerado um ministro do ensino superior. Não fez nada em relação ao ensino superior, a não ser meramente cortes. Por outro lado, demite-se, tal como o próprio Governo, da definição de uma política para o ensino superior, porque dá às universidades e aos politécnicos liberdade para se organizarem.
O que não parece possível?
Sabemos que quer o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) quer o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) são incapazes de se entenderem nesta matéria. Portanto, isto é uma maneira de o Governo, que devia fazer a definição clara do que é o ensino superior, lavar as mãos.
A integração das duas vias de ensino debate-se há algum tempo…
Devo dizer, aliás, que uma solução já foi aventada, há mais de 10 anos, pelos professores Veiga Simão, Almeida Costa e Machado dos Santos, que estudaram o problema e concluíram que deviam ser criadas as chamadas universidades federadas. Seriam universidades que integrariam os institutos politécnicos, em colaboração estreita, e que permitiriam, na perspectiva daqueles professores, resolver os problemas da duplicação de cursos, de funcionários, de professores, e assim sucessivamente.
Mas este processo não vai ser pacífico.
Não. Mas hoje existe um conjunto de universidades e de politécnicos que não têm dimensão crítica, pelo que, no futuro, irão cair. A única maneira de lhes dar dimensão crítica era fazer, de facto, uma organização sistémica, através de uma universidade federada – ou com outro título qualquer. Hoje temos 16 universidades públicas, mais 16 ou 17 politécnicos, e ainda a Universidade Católica e outras universidades privadas. Temos quase um estabelecimento de ensino superior, público ou privado, para cada 200 mil alunos, quando a média europeia é uma universidade para cerca de 1,2 milhões de alunos. Isto prova que não houve planeamento estratégico no ensino. A rede de ensino foi sendo espalhada não por motivos racionais, de satisfação das necessidades das populações, mas para satisfazer interesses políticos, partidários.
Esta eventual integração demorará algum tempo?
Sim, é um processo que vai demorar anos, mas se não for dada uma orientação política clara, vai demorar anos a mais e o país ficará prejudicado porque está continuamente a afetar recursos que não são devidamente rentabilizados nem criam valor acrescentado.
Há quem defenda que uma solução para o ensino politécnico seriam os cursos profissionalizantes, de curta duração?
Sim, mas hoje as escolas, mesmo as mais pequenas, do interior, têm uma estrutura de professores qualificada, e em alguns casos altamente qualificada, que não consegue satisfazer aquilo que o ministro hoje quer, que é pô-los a lecionar cursos de especialização tecnológica, porque não têm uma experiência prática condizente.
Essa seria também uma solução para o ISCAC?
A nossa escola obedece a todos os parâmetros de exigência e de qualidade definidos pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), um organismo independente que tem avaliado e acreditado todos os nossos cursos, que também têm sido acreditados profissionalmente, pelas respetivas ordens. A nossa escola obedece a todos os requisitos do mais alto nível que a A3ES impõe, em número de doutorados e especialistas e em indicadores financeiros, físicos e de eficiência formativa. Isto quer dizer que os alunos que escolhem o ISCAC – e felizmente todos os anos esgotamos as vagas –, sabem antecipadamente que aqui estamos a apostar na qualidade do ensino, das nossas licenciaturas e dos nossos mestrados. Agora querem que os institutos politécnicos façam cursos de especialização tecnológica. Nós já os fazemos, em colaboração com associações empresariais da zona. Mas agora querem ainda que façamos os chamados cursos “sanduíche”, cursos superiores que não conferem qualquer grau académico. Acho que temos capacidade para o fazer, mas duvido muito que os alunos procurem cursos de dois anos quando podem fazer uma licenciatura em três. Embora admita que, em alguns institutos politécnicos, isso possa significar a sobrevivência por mais uns anos.
Os politécnicos deveriam apostar mais em cursos profissionalizantes e na ligação às empresas?
Essa era uma das coisas que devia distinguir os politécnicos das universidades, se essa distinção não fosse mais formal do que real. As faculdades de economia também tentam fazer cursos adequados às empresas, têm alunos a estagiar nas empresas, que é aquilo que também fazemos aqui.
Este cenário coloca-se numa altura em se admite que possa haver no futuro um decréscimo do número de alunos?
Penso que isso acontecerá, mas menos nas escolas do litoral. Na atual conjuntura, há organizações que estão a singrar e outras que estão a falir. E no ensino acontece a mesma coisa. As escolas que apostaram num corpo docente de qualidade, motivado, que publique, que tenha ligações às empresas, têm a obrigação de ter uma perspetiva de ensino diferente de um professor que lê só os livros. E o Politécnico tem isso em maior grau do que a universidade, que por vezes até proíbe os docentes de trabalharem nas empresas, por estarem em exclusividade no ensino.
A internacionalização, e a captação de alunos estrangeiros, pode ser também uma via?
Pode ser uma via, e tem sido tentada. Temos muitos alunos brasileiros e dos PALOP. Mas penso que para uma escola se internacionalizar deve primeiro ser reconhecida como uma referência em termos nacionais.