Opinião – Segregação no ensino

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Maria Manuel Leitão Marques, Catedrática da Faculdade de Economia da U. Coimbra

Do dito documento designado por “reforma do Estado”, que oscila entre generalidades, intenções e algumas medidas mais concretas, destaco a que mais me preocupa e que ultimamente vem emergindo de forma consistente no discurso do governo. A privatização do sistema educativo básico e secundário. Se lermos o papel com atenção, podemos reduzir a reforma a uma medida: financiar o ensino privado de quem o pode pagar e deixar a escola pública para os outros. Os outros serão os mais desfavorecidos, ficando assim a escola segregada quando ela devia ser mais inclusiva.

 Se quiserem conhecer o risco de tal modelo olhem para o Brasil. Aí os filhos de quem tem dinheiro frequentam a escola privada. Não são apenas os filhos dos ricos , são todos os filhos da classe média. Os outros frequentam a escola pública. De tal modo é a diferença de qualidade entre uma e outra que foi preciso criar quotas para que pelo menos alguns estudantes da escola pública pudessem chegar à universidade. Mas que universidade? A privada ? Não a pública , aquela que é paga com o dinheiro dos impostos de todos, aquela que tem mais qualidade, aquela que é gratuita. Sistema mais injusto e segregacionista não conheço. Por isso mesmo, a sua alteração está nos cartazes de muitas manifestações a que assistimos no ultimo ano em cidades brasileiras .

Entre nós estava a caminhar-se para o mesmo. Pelo menos em algumas grandes cidades como Lisboa, a degradação de edifícios associada a um horário incompatível com o trabalho dos pais nas escolas públicas, para já não referir a falta de ensino de matérias completares, empurrava as famílias para o ensino privado.

Esse caminho foi invertido  a partir de 2006. A alteração do horário das escolas (escola a tempo inteiro), a melhoria das condições das escolas públicas, o controlo das faltas e a substituição dos professores nessas circunstâncias, e o ensino do inglês foram algumas das medidas que vieram contribuir para recuperar a qualidade das escolas públicas. Com certeza contribuíram não apenas para reter os seus alunos mas até para atrair novos estudantes vindos de escolas privadas. Sobretudo repuseram condições para uma efetiva igualdade, combatendo a segregação que naturalmente se prolonga no futuro, no acesso a oportunidades de estudar, de trabalhar e de viver .

Contudo, como pode ler-se no papel agora revelado, a valorização da escola pública foi chão que deu uvas. Misturado com algumas frases feitas, o que lá está de concreto é o financiamento de escolas privadas e até a venda das públicas a professores (propriedade e gestão)!

Lutar contra tal modelo de reforma do sistema educativo é por isso um objetivo que nos devia mobilizar. Não apenas a quem pensa ser de esquerda, não apenas aos professores das escolas (onde estão eles agora?), mas a todos os que estudaram na escola pública, a todos que lhe devem muito do que sabem, a todos os que acham que devemos ter as mesmas oportunidades de vencer na vida, seja qual for o material do berço onde nascemos.

Maria Manuel Leitão Marques

 

 

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