Responsável pela administração do Hospital Distrital da Figueira da Foz, Adriano Rodrigues, parte deixando obra feita, as contas equilibradas e todas as valências em funcionamento. Um trabalho marcado, ainda, pelo aumento da produção e pela diminuição das listas de espera
Uma das suas missões, quando tomou posse, em janeiro de 2012, era conceder estabilidade à administração do Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF). Essa missão foi cumprida?
Quando tomei posse e quando falei com a tutela, nomeadamente com o sr. ministro da Saúde (Paulo Macedo), havia três problemas que exigiam resolução imediata: manter ou extinguir a Urgência Médico-Cirúrgica, integrar a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) e manter o Hospital de Dia de Oncológico. Estes três objetivos foram, claramente, atingidos. O hospital tem uma Urgência Médico-Cirúrgica, reestruturámos os horários, com a concordância e a colaboração dos médicos da Urgência Médico-Cirúrgica, e a VMER encontra-se integrada. Abdicámos, por outro lado, de grande parte dos profissionais que estavam em regime de prestação de serviços e a gestão tem decorrido com calma, com tranquilidade. Contudo, o processo de integração da VMER ainda não está concluído, porque alguns médicos ainda estão em regime de prestação de serviço. Quando os nossos médicos tiverem formação adequada, passarão a prestar eles o serviço, mas em 2015 vamos ter um corpo clínico integralmente constituído por médicos do hospital. O que fizemos foi criar confiança, com liderança e estabilidade. Procurámos instituir as legalidades de gestão e procedimentos. Cada hospital tem procedimentos próprios. O outro ponto para atingir a estabilidade foi assumir compromissos que pudéssemos cumprir. Excetuando os diretores de serviço que pediram a demissão – e foram substituídos – , os outros continuam em funções e mantenho com eles uma excelente relação institucional e pessoal.
O Hospital de Dia Oncológico vai manter-se aberto?
Sim. Não encerrou nem vai encerrar. Terá de sofrer alguns ajustes, no âmbito de um plano nacional, que vai ser discutido em breve em Coimbra. Vamos traçar que tipo de terapias vão ser feitas aqui, mas não vai encerrar.
O facto de ser médico e professor de medicina e acumular a presidência do conselho de administração do hospital com a direção clínica contribuiu para a estabilidade do HDFF?
A junção das duas funções, as de presidente e de diretor clínico, deu-me, de facto, uma vantagem significativa. Claro que a minha credibilidade vem da minha parte curricular, mas também porque em gestão não se mente, porque isto, depois, não leva a uma relação de confiança. Temos de ter uma gestão frontal. O hospital tem 154 camas e um orçamento baixo. Portanto, temos de trabalhar com uma gestão profundamente rigorosa.
Num ano e nove meses, ou seja, desde que a atual administração do HDFF está em funções, foram feitos investimentos na melhoria das condições de trabalho e de atendimento. Alguns deles eram reclamados há vários anos. Por que é que não foram feitos antes?
Não tivemos nenhuma ajuda da tutela para fazermos os investimentos. Os investimentos foram aqueles que o hospital foi conseguindo fazer, com o apoio de alguns parceiros externos, nomadamente a Liga dos Amigos do HDFF. No entanto, há um conjunto de obras que tem de ser realçado, porque foram muitas. A construção do edifício das Consultas Externas e o Serviço de Urgências terminou em finais de 2010. No entanto, não estava legalizado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro quando tomámos posse. Durante os anos de 2102 e 2013, procedemos à legalização, podendo, deste modo, receber o resto do dinheiro a que tínhamos direito, no âmbito do Quadro de referência Estratégico Nacional (QREN), cerca de 350 mil euros. Por outro lado, requalificámos o Serviço de Medicina Física de Reabilitação, nas áreas da piscina e balneários; criámos uma Unidade de Internamento de Curta Duração nas Urgências; e requalificámos algumas salas no serviço de Urgência. Mudámos ainda de instalações o arquivo, que se encontrava fora do edifício central, para o antigo serviço de Pediatra, e criámos um circuito independente de roupa limpa e suja, para a prevenção de infeções. Os investimentos contemplaram também a requalificação e o reequipamento do Serviço de Esterilização e a requalificação da central térmica. Mas também criámos condições para o laboratório, na antiga Urgência, substituímos alguns telhados de amianto por chapas térmicas zincadas e normalizámos alguns procedimentos internos, para combater desperdícios, nomeadamente no consumo de eletricidade, água, gás e papel.
Mas ainda não disse por que razão estas obras não foram feitas pelas administrações anteriores.
Em relação às obras que não foram feitas antes, cada um orienta as suas prioridades. A nossa primeira prioridade foi criar estabilidade. Depois, consolidar os objetivos que tinham sido propostos. A terceira prioridade foi dotar o HDFF com melhores condições de trabalho e evitar que algumas áreas deixassem de ser críticas.
A que áreas se refere?
Por exemplo, a central térmica, que pagava uma multa anual de cinco mil euros, pela poluição e pela falta de controle da emissão de gases.
O edifício principal do HDFF está velho, envelhecido e exige manutenção constante e dispendiosa, por estar perto do mar. É da opinião que teria sido preferível construir um hospital novo, noutra zona do concelho, com o dinheiro da venda dos terrenos, em vez de se ter investido na nova ala da Urgência e das Consultas Externas?
De facto, este hospital é velho e envelhecido. Significa que, em termos comparativos, é um cidadão com 50 anos que aparenta ter 80 anos. Isso deve-se à sua localização e à dificuldade que há em manter muitas das estruturas do hospital com qualidade, devido à proximidade deste com o mar. Creio que na década de 80 houve a oportunidade de construir um hospital novo. O hospital precisa de obras de fundo. Precisa de se centralizar num bloco único. Para isso, um piso apenas de acrescento bastaria. Mas também é necessário requalificar, de forma homogénea, os serviços existentes, porque este hospital não foi construído para esta finalidade. Há, por outro lado, uma necessidade urgentíssima de fazer obras no Bloco Operatório, uma intervenção estrutural, dotando-o com salas de maiores dimensões, uma unidade de recobro com um enquadramento estrutural com melhores condições e circuitos independentes de limpos e sujos, entre outros. Não houve disponibilidade dos dinheiros do QREN para esta obra, mas o conselho de administração já fez chegar esta preocupação à tutela, para tentar aproveitar o próximo quadro europeu de apoios.
A nova Urgência foi construída há três anos e, entretanto, a atual administração já lá fez obras. O problema estava na conceção, na construção ou em ambas?
Há erros de conceção e de construção. Os erros de construção foram notificados à empresa que construiu o edifício e os de conceção deveram-se a uma quase transposição da antiga Urgência para a nova Urgência, contra as regras atuais, que privilegiam os espaços abertos em detrimento dos compartimentos. Por outro lado, devia ter sido construído um bloco operatório de urgência, e não foi. E havia, também, alguma exiguidade nas salas, que foi por nós compensada com a Unidade de Internamento de Curta Duração.
Há falta de médicos e enfermeiros no hospital?
Existe falta de profissionais em determinadas áreas – assistentes operacionais e enfermeiros. A alteração dos horários, de 35 para 40 horas semanais, obrigou um novo estudo, que já foi enviado à tutela. Este processo já começou em janeiro. Em relação aos médicos, já recebemos 11 médicos novos e vamos receber mais quatro. Houve uma diminuição do recurso a serviços externos, com uma vantagem económica grande e, em simultâneo, uma melhoria significativa na qualidade assistencial. A política deste conselho de administração é exatamente criar um quadro médico adequado, com qualidade, e pensando que há necessidade de rejuvenescer os quadros, porque muitos dos nossos médicos aproximam-se da idade da reforma.
As atuais valências e a classificação do hospital estão garantidas?
Está em estudo um plano estratégico, a nível regional, que vai ser incrementado em todos os hospitais da região. Este hospital será considerado um hospital regional e, em princípio, irá manter todas as valências, nomeadamente em áreas críticas. Há uma vantagem no plano estratégico: não haverá menos de três médicos por cada especialidade. A credibilidade que a nossa gestão deu ao hospital permitiu que o plano estratégico nos seja favorável. Assim, o hospital irá ganhar no plano operacional e no mapa do pessoal.
E o que é que pode perder?
De uma forma direta, em relação ao HDFF, penso que não existirá nenhuma perda, apenas ganhos. No momento atual de discussão, é essa a indicação que temos. Iremos, isso sim, provavelmente, alargar a nossa área de influência. A nossa área legal são os concelhos da Figueira da Foz e de Montemor-o-Velho. Vamos a alargar a nossa ação a algumas freguesias dos concelhos de Cantanhede, Pombal e Soure.
Mas isso já está a ser feito.
Pois está, mas não é legal, porque estamos contratualizados para 80 mil habitantes e não para 112 mil.
Circula na internet uma petição contra o estacionamento pago no parque do hospital. O motivo que o levou a aplicar esta medida é meramente económico?
Esta medida não tem nada a ver com economia. Esta medida insere-se num conjunto de medidas de requalificação do hospital no qual o parque foi integrado. O primeiro objetivo foi ordenar o estacionamento, no próprio parque; o segundo foi fazer com que o hospital não continuasse a ser atravessado por uma estrada municipal, que dá acesso às praias; e o terceiro foi proporcionar um parque próprio para os trabalhadores do HDFF, libertar áreas de estacionamento para os utentes e requalificar a entrada principal do hospital, que tinha sido transformada em porta de saída. O parque vai ter um período experimental gratuito, até ao final do mês. A partir dessa data, será pago, com tarifas baixas e estudadas com a (empresa municipal) Figueira Parques e com a Câmara da Figueira da Foz, com gratuitidade nos primeiros 15 minutos, para facilitar o acesso às consultas e às Urgências. Esta medida é possível porque existe um parque gratuito externo que alberga cerca de um milhar de carros e que é contíguo à área hospitalar. Esta requalificação só foi possível através de uma parceria. Não há nenhuma vantagem económica para o hospital. Os trabalhadores vão pagar, simbolicamente, 2,5 por mês, muito menos que o valor de um maço de cigarros ou de quatro bicas por mês, no HDFF.
É verdade que vai deixar a presidência do conselho de administração?
De facto, pedi a demissão, em gosto de 2012 e em setembro de 2013, estritamente por motivos pessoais. Não há nenhum conflito intrainstitucional, não há qualquer conflito com a tutela. A minha saída deve-se, apenas, à reorganização da minha vida pessoal. Não tenho data certa para ir embora, mas devo ir antes do fim do ano. Vou regressar à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e ao Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Foi a tutela que lhe pediu para ficar mais algum tempo?
É um processo pacífico, a tutela está a resolver os problemas processuais para a minha substituição.
Tendo em conta o seu currículo e a sua atividade profissional, por que é que aceitou presidir ao conselho de administração de um hospital com a dimensão do HDFF?
(Silêncio e um sorriso). Ao aceitar, tive um prejuízo económico significativo. Mas, por outro lado, ganhei muita coisa: conhecimento de gestão hospitalar, amigos… Isso é gratificante. Aceitei porque, quando fui convidado, tinha estado a gerir uma unidade na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e o Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde e a gestão tinha corrido bem, tinha sido eficaz e com marcada sustentabilidade económico-financeira. Aceitei porque era um desafio. Nós, os médicos, somos muito críticos, mas raramente aceitamos fazer parte da solução.
Parte com o sentimento do dever cumprimento?
Até à data, tenho esse sentimento. Não sei quando vou sair, mas, até agora, sinto claramente a sensação do dever cumprido, que tem uma participação alargada a todos os trabalhadores, a quem agradeço e terei a oportunidade de cumprimentar na hora própria.
Tem ambições políticas?
Zero! Penso que, neste momento, dificilmente voltarei a gerir qualquer unidade hospitalar ou outra semelhante. Lidar com números é particularmente difícil, sobretudo numa conjuntura económica como esta.
Gosta mais da investigação e de exercer e ensinar medicina ou de gestão?
As três atividade são complementares. A investigação, a docência, a atividade assistencial e a gestão são atividades complementares. Em qualquer local, quando estamos a desempenhar uma destas atividades, estamos a desempenhá-las todas em simultâneo. Talvez goste mais da docência e da atividade assistencial.
Como deixa as contas do HDFF?
Quando tomámos posse, o HDFF tinha uma dívida acumulada de 18 milhões de euros, portanto, estava tecnicamente falido. Além de tornarmos viável o hospital, em termos de viabilidade económica e de prestação de serviços, com a ajuda da tutela e se de facto forem compridas as orientações atuais de um programa de convergência de 2012 e ainda um programa de regularização da dívida à indústria farmacêutica, através da Administração Central de Sistemas de Saúde, o hospital passará a ter como débito cerca de três milhões de euros. Ou seja, um pouco menos do que aquilo que o hospital deve a entidades do Estado. Por outro lado, o hospital modificou completamente o valor do EBDITA (indicador de gestão económica), tornando-o num hospital não falido e ficando, provavelmente no fim do corrente ano, sem dívidas a entidades externas. Tudo isto deve-se à credibilidade e à eficácia da gestão deste conselho de administração, que diminuiu e não acumulou dívida.