Opinião – O fim dos jornais

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Bruno PaixãoBruno Paixão

Londres. Estação de metro de Earls Court. Perto da saída há um pequeno quiosque que vende jornais e revistas. Vende também senhas para os transportes públicos, pastilhas e outras coisas. Aliás, muitas outras coisas. É que os jornais deixaram, por si só, de ser a fonte de receita que assegura a continuidade destes pequenos estabelecimentos. Mas são as capas expostas que angariam a aproximação dos transeuntes. Aquela meia-luz exasperada sobre o “The Times”, entre o “The Daily Telegraph” e o “The Guardian”, faz abrandar o passo.

Fico a pensar no que seria sem os dedos esborratados de tinta, sem sentir o toque das folhas. Temo acontecer-me o mesmo que a Umberto Eco, o guardião do papel, que depois de defender a sobrevivência do livro, ao lado de Jean-Claude Carrière, deixou-se enredar facilmente pelo tablet – tendo confessado à revista brasileira “Época” que até está a gostar, que começou a ler no aparelho e não achou assim tão mau.

Nós, os que gostamos dos jornais em papel, das folhas amarfanhadas, de apreciar uma boa capa, de guardar os periódicos em casa e deixá-los meditabundos na mesinha da sala, nós, os Flintstones do papel, titubeamos entre o velho vício e o novo ócio, entre o anacrónico jornal e a hodierna tecnologia, que toleramos mas vamos adiando.

Bem sei que começo a subscrever as edições eletrónicas e a absorver o mundo digital. Fico tenso, pois sinto-o inevitável. Mas apesar das suas virtudes, a internet sem filtros ainda projeta sobre nós um manto de vulnerabilidades. Há de tudo por lá e temo que a imensa quantidade de coisas que circula seja pior do que a sua ausência. Como concede Umberto Eco, há multidões de ignorantes a usá-la. Multidões que teclam à velocidade da luz mas que se comportam como primatas quando julgam que um post no facebook, ou num qualquer blog, tem o mesmo significado que uma notícia nos media. Não, não tem. E se tem, não devia.

Estarão os jornais condenados? Um jornalista que esta semana completou 40 anos de profissão disse-me que não acredita na continuidade dos jornais. As tiragens estão pele e osso. As tecnologias vieram tomar o lugar que cabia à distribuição da imprensa e há, entre os teóricos, quem alerte para o fim do jornalismo. Sem direito sequer a um “happy end”. Com passagem direta à secção das lembranças banidas.

Penso que cabe ao jornalista diferenciar-se dos meros bloggers. Aquele que esquece a sua deontologia e os preceitos que o deviam levar à notícia, que não se coíbe de ser protagonista, que privilegia o infotainment e a sua própria opinião em detrimento dos factos puros, esse sim, cava o fosso para o ocaso. Por isso, o desafio que hoje se coloca é o de delimitar com clareza o conteúdo “premium”, jornalístico e rigoroso, distinguindo-o do conteúdo espontâneo gerado pelos internautas.

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