Opinião – Esta Coimbra dos afectos: quando chegava a Páscoa

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Helder_rodriguesHélder Rodrigues

1.Naqueles Anos 50

Naqueles Anos 50, em Coimbra, quando chegava a Páscoa, chegavam as férias escolares. Durante 15 dias, abriam-se para nós, de repente, de par em par, as portas da vida! Era uma explosão de alegria!

As Ruas da Baixa, onde vivíamos, que tinham sido fustigadas por implacáveis cheias invernais, sorriam agora ao Sol da Primavera. E também elas se associavam ao nosso contentamento desmedido. Eram dias espectaculares. Que passavam, tão depressa! Tínhamos tempo para tudo! Jogar a bola, os botões, ir até ao Choupal , andar de bicicleta, ler o Mundo de Aventuras … Podia lá haver vida melhor??

2. A 5ª Feira Santa

A 5ª Feira Santa era um dia especial! O padre de Santa Cruz visitava as humildes casas da Baixa. A meio da tarde as ruas estreitas eram agitadas pela campainha a tilintar. E de repente aí tínhamos o padre, a subir as escadas acima até ao 2º andar, acompanhado pelo sacristão. Atrás dele, a pequenada ruidosa, à espera de uma amêndoa para adoçar a boca, e depois contar em casa.

A Rainha Santa com uma moeda de 5 escudos à frente, espetada numa laranja, que o sacristão retirava com prontidão, enquanto o padre benzia a casa para a esquerda e para a direita, para evitar maus olhados.

Pai, mãe, avós e nós, filhos, em silêncio respeitoso aguardavam uma palavra que fosse de tão ilustre e respeitável figura.

Numa dessas vezes, o padre, talvez cansado, sentou-se por uns momentos. Olhou para mim e perguntou :- Então em que classe andas? – Ando na 4ª classe adiantada, senhor padre, respondi eu.

A minha mãe então explicou, como todas as mães, que se a vida corresse bem, queria que eu fosse para o liceu….

-Vá lá, não deixes de estudar, para seres um Homem! Recomendou o padre, enquanto o sacristão já descia a escada com a campainha a tilintar.

O rapazio atrás dele de roldão satisfeito e barulhento a mastigar uma amêndoa ou com ela no bolso para levar para a mãe que era lavadeira. Outros saíam de boca e bolsos vazios. As amêndoas não tinham chegado para todos! Mas não fazia mal!! Seria para o ano!

3. O Domingo de Páscoa

Depois vinha o Domingo de Páscoa. Não sei porquê, mas os domingos de Páscoa eram todos… cheios de Sol!

O almoço era melhorado! Caldo verde quentinho, galinha assada no forno com batatinhas assadas e esparregado, leite creme queimado. Nunca na minha vida, comi um almoço que me soubesse tão bem! Depois do almoço, chegava o momento ansiado. O meu pai, olhava para mim e dizia: – Hoje vamos ao cinema. Vai-te arranjar! E lá ia, feliz e satisfeito ao Sousa Bastos ver um filme do Tarzan e dos macacos, que me fazia sonhar toda a semana!

4. Reflexões para o Presente

Comparar esse passado com este presente não é tarefa fácil. Mas analisando esta descrição, o que vemos? Pouco dinheiro, vidas simples, solidariedade e afectos, união familiar e uma imensa alegria de viver.

Será que esses valores estão perdidos? Não, não estão! Estão simplesmente esquecidos. Num turbilhão da vida frenética e agitada ao serviço da competitividade e da tecnologia desenfreadas, para além dos limites humanos. Acredito na inteligência do ser humano e na sua capacidade para ser feliz. Há que saber conciliar Desenvolvimento com Humanidade, fazendo as escolhas certas. Todos juntos, vamos conseguir!

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