Paulo Valério

Se estamos em crise, há quem diga que a culpa é do despesismo. Há, por outra, quem assegure que a culpa é da austeridade. Eu acho que não é uma coisa, nem outra. Num país democrático, a culpa é sempre da política. Ao negarmos isso, vamos matando aos poucos a política e, mais grave, vamos matando a democracia.

É que a democracia tem esta enorme vantagem sobre os demais sistemas: ao permitir que

todos se pronunciem e que todos participem, responsabiliza todos. Com clareza e sem obscurantismo, responsabiliza os eleitos e os eleitores; os governos e as oposições. Por isso mesmo, reclamar os méritos da política quando as coisas correm bem e endossar o odioso aos mercados, quando correm mal, é uma cobardia. Na sociedade humanista e democrática em que me revejo, a fúria dos mercados não é uma fatalidade de que os políticos se devam queixar; é uma doença que deve ser exterminada. E pensar o contrário será, sempre, fazer da democracia uma coreografia vã, uma caricatura de si própria, que nos deixaria subjugados a todas as injustiças e arbitrariedades.

É por isso mesmo que me inquieta a discussão em torno da política de alianças do Partido Socialista, nas próximas legislativas. É que se, em democracia, a política é a via justa para resolver todos os problemas, isso é incompatível com sentar o PS e os partidos à sua direita num mesmo governo.

Porque, numa democracia a sério, a oposição não forma governo com o governo. E porque fazê-lo seria, afinal, confirmar solenemente aquilo de que os cidadãos suspeitam há muitos anos: que “os políticos são todos iguais” ou “que o PS e o PSD são, no fundo, a mesma coisa”.

Em democracia, a divergência não é uma irresponsabilidade; o debate não é uma inutilidade. Ao contrário do que pensa o Presidente da República – que o PS tão bem criticou – a democracia não está suspensa.