Que alguma coisa vai mudar no sistema político português, deixou de ser uma afirmação atrevida, para ser um lugar-comum. Ninguém sabe muito bem quando, como, quem ou onde, mas a sensação de que algum acontecimento de contornos imprevisíveis ditará uma mudança disruptiva no sistema está instalada.
Durante muito tempo, todas as previsões neste sentido foram apontadas como desmandos radicais e os seus portadores acusados de servir inconfessados desígnios, susceptíveis de comprometer a placidez do regime, muito compenetrado a guardar a “normalidade das instituições democráticas”. À esquerda e à direita, o chamado arco do poder sempre correu para neutralizar as ameaças de desintegração. E, por mim, o modo como mesmo destacados dirigentes do PS deram o peito às balas para defender Miguel Relvas das Grandoladas diz muito deste fenómeno.
Miguel Relvas, suado e encurralado em frente das câmaras, a tropeçar nas palavras enquanto procura trautear “Grândola Vila Morena” é mais do que a imagem burlesca de um personagem ridículo. É uma caricatura chocante do regime onde, com maior ou menos cumplicidade, se acoitam respeitáveis dirigentes políticos e uma parte da sociedade portuguesa, há largos anos.
No sorriso amarelo de Relvas, reconhecemos facilmente o esgar de centenas de homens pequenos, por esse país fora, de esquerda e de direita, impostores e caciques mais ou menos locais que são, afinal, o cimento dos partidos políticos, tal como hoje os conhecemos. É uma imagem impressiva que, sem surpresa, provoca reacções mais ferozes e empenhadas do que o desfile de um milhão de portugueses nas ruas.
Na verdade, defender que o Ministro que tutela a comunicação social está coarctado na sua liberdade de expressão por causa das Grandoladas é um pino retórico que só encontra justificação na necessidade de travar, a todo o custo, a amputação de um sistema de poderes putrefacto.
Talvez sejam exageradas as notícias sobre a morte dos partidos políticos, mas tudo leva a crer que eles têm pela frente uma decisiva prova de vida.
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