Para marcar o fim da diversão e alheamento da realidade que caracteriza a folia carnavalesca e o início de um período de contenção e reflexão católicas, nada melhor que uma expiação que lave a alma. O enterro do Entrudo é isso mesmo e separa o Carnaval da Quaresma. É uma tradição que se cumpre em várias localidades do nosso país, da Guarda a Torres Vedras, entre muitas outras, e que, de forma simbólica e ao estilo de sátira política, faz o julgamento do Entrudo.
Consiste numa avaliação do ano que passou e dos responsáveis pelo sucedido. Muitas vezes esse ritual realiza-se em frente ao tribunal, com a leitura de uma acusação, julgamento célere, sem recursos dilatórios e sentença imediata, logo executada pela população. Este ano, a política do governo de certeza que não passará neste crivo popular. Como, aliás, nunca passou. A sentença, ano após ano, é invariavelmente a mesma: fogueira. Simples. Ou tacho, no caso do galo da Guarda.
Em Fevereiro de 2013 nem vai ser necessário avaliar a obra do governo. Os libelos acusatórios vão dispensar grandes fundamentações, de tão óbvias que são as acusações. Presumo que a maior parte começará por dizer que a acusação que vai ser lida é verdadeira, ao contrário das licenciaturas de alguns governantes ou o curriculum de outros. Depois, é inevitável substituir uma culpa colectiva governamental ou das políticas e políticos em geral, por concretos e identificados culpados, o que é fácil, dado o número de alvos e escândalos. Por fim, a pena vai saber a pouco. Quem não respeita não pode ser respeitado. Ninguém vai reconhecer aos acusados uma centelha de respeitabilidade política, mas só uma capacidade de fazer perdurar o seu próprio carnaval. Esta falta de autoridade, intrinsecamente ligada à credibilidade, é uma ferida aberta que dificilmente vai cicratizar a tempo de próximos actos eleitorais. À míngua de melhores desculpas, ainda se vai dizendo que são falhas de comunicação entre governo e governados. Ou só mesmo do governo.
Mas não é. E por isso ninguém fica admirado ou sequer critica quando muitos desrespeitaram o fim da tolerância de ponto no Carnaval decretada pelo governo. Os que não fizeram ou não puderam fazer ponte, nem levam a mal os outros. Serviços públicos encerraram, municípios contrariaram o governo nacional e empresas privadas respeitaram os seus acordos colectivos de trabalho e dispensaram os seus trabalhadores. Há de facto tradições muito mais fortes que qualquer política de terra queimada. São sinais de vida da sociedade civil que vai resistindo. Quem anda alheado da realidade nunca conhecerá o povo.