Estas, são notas sobre uma queda para o inferno, para o mundo da pobreza quase extrema.
Depois de ter escrito a crónica Lembranças à volta de uma manifestação alguns dos meus amigos, de café e de vida também, acharam que na história do pão se perdia um pão e ainda por cima na trajectória de crescimento, que havia pães a mais, pães a menos, igualmente.
Uma semana depois recebo de Phillipe Murer, Membre du bureau du Forum Démocratique, Président de l’association Manifeste pour un Débat sur le libre échange, vários textos entre os quais a história de Isabelle K. publicada recentemente no jornal Le Monde.
Nada de especial se esta história não fosse um exemplo vivo da trajectória que se segue na metáfora dos pães, quando se está na via descendente da economia, como se passa agora por quase toda esta Europa, e se perde o equivalente a dez cortes de cabelo para manter a hipótese de salvar um pão. O caminho na descida que aí se expõe é também a trajectória da descida ao inferno que os homens no poder a muita gente obrigam agora.
Nesta história de Isabelle K. e nessa referida trajectória pode-se ler:
“É preciso poupar, não se toma mais o café no café, ao balcão, a 1,50 euros. Também não se convida ninguém a beber um café. Muito menos nos podemos sentar nas esplanadas para telefonar a uma amiga porque não há mais carregamentos no portátil. Deixa-se de comprar o jornal, deixa de se poder comprar vinho, deixa-se de comprar sumo de fruta, deixa-se de comprar sobremesas, deixa-se de comprar carne, deixa-se de comprar peixe. Muitas batatas, compram-se muitas batatas. Só se podem colocar livros a 2 euros sob a árvore de Natal. Só se fumam os cigarros que nos dão. Por falta de seguro de saúde, evita-se a ida ao médico”.
Nunca fui menino, nunca tive tempo para o ser, comecei a sê-lo nas histórias que li à minha filha, quis continuar a sê-lo nas histórias que lia para a minha neta, quis continuar a sê-lo numa ou outra crónica para o blog escrita, mas é inegável que, face à história de Isabelle K, se fica com a certeza que, por mais que nos esforcemos em termos de imaginação a ganhar, ficaremos sempre abaixo da capacidade imaginativa que a realidade é capaz de gerar. Não há pois nenhuma ficção que em ficção ultrapasse a realidade, esta realidade dos tempos que atravessamos, dos tempos que não queremos, dos tempos contra os quais é necessário e urgente que todos nós nos revoltemos.
Lamento profundamente poder oferecer-vos – numa próxima oportunidade – este texto “Isabelle K. ou o jornal de uma queda na pobreza”, de Marion Van Renterghem, publicado no Le Monde, 28 de Janeiro de 2013.