Opinião – Noite inesquecível em Paris

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João José Pedroso Lima

João Pedroso de Lima

Lembrei-me há dias de uma noite que passei em Paris, nos meus vinte e alguns, inesquecível, mas diferente daquelas que, em geral, se imaginam na cidade luz.

Tinha ido no rápido internacional até Paris, primeira etapa de uma viagem para a Holanda, como se fazia no princípio dos anos sessenta. Chegado a Austerlitz cerca da nove da noite, e com a mala a incomodar, optei por dormir umas horas ali por perto para, na manhã seguinte, apanhar um transporte até à Gare du Nord e aí o comboio para Eindhoven.

Andei uns vinte minutos na noite de Setembro, já fresca, e acabei por entrar num pequeno bar para comer qualquer coisa, quando, no balcão, vi um anúncio de quartos.

Perguntei ao homem que, atrás do balcão, era o único interlocutor possível, se tinha um quarto barato para uma noite. Temos um muito barato, excelente para quem tenha bom sono disse, sorrindo e num mau francês. Pareceu-me perceber qualquer intenção nesta observação e quis ver o quarto. Era uma divisão pequena, interior, só com um pequeno potsigo, cama simples, mas tudo muito limpo e até agradável. O preço era convidativo, vinte francos. Aceitei de imediato. Achei-me com sorte.

Deixei a mala, comi uma refeição ligeira e saí. Andei por ali à volta do Jardin des Plantes que, àquela hora, pouco convidava.

Às onze e tal já estava na cama, relaxado e começava a dormir. O meu espírito iniciava a viagem para aquele estado em que o cansaço e inquietações se diluem numa paz serena e envolvente, quando, de súbito, ouvi um barulho enorme em cima da minha cabeça. Era como se fosse um sunami caseiro, qual cascata sintética, seguida de silvos de turbulência, tudo nascido na parede, ali um metro acima. Acordei apavorado e levei algum tempo até perceber que a minha cabeça estava separada, por uma fina parede, do autoclismo de um quarto de banho contíguo.

O meu sono, naquela noite dependeu das vontades dos frequentadores do estabelecimento, onde, em tão má hora, acabara por cair.

Só não houve sustos das três às seis.

Quando, de manhã o homem me perguntou, com um sorriso irónico, se tinha dormido bem, respondi que sim, que tinha dormido perfeitamente. – Sabe, disse-lhe, para quem, como eu, sempre viveu numa casa a cinquenta metros de umas cataratas, autoclismos são espirros de mosquito. O homem ficou pensativo e demorou algum tempo a pegar nos vinte francos que lhe estendi.

Senti-me vingado com a mentira e pensei nos horrores que dezenas de pessoas já deviam ter sentido naquele maldito quarto… mas sem a minha capacidade de retaliação!

Contudo, já de costas, ouvi o homem perguntar, com voz de quem está a gozar: – “ Des cataractes au Portugal? ”

Achei que devia deixá-lo na dúvida… não respondi, saí rapidamente.

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