Opinião – Rastejando sob ninho de cucos

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Francisco QueirósFrancisco Queirós

Disseram-nos que havia crise. Aí está. A fome alastra entre pensionistas, idosos, reformados de longa duração e entre muitos que ainda trabalham. Na Europa “quero ver Portugal na CEE” há quem trabalhe e a sua remuneração não chega para sobreviver. No século XXI num país da União Europeia há crianças que vão para a escola sem comer. Não, não se passa na Índia. Só! Milhares de trabalhadores, vítimas de roubos aos seus salários, juntam-se no infortúnio a centenas de milhares de desempregados, beneficiários de apoios estatais e muitos outros. Vive-se em Portugal a mais grave crise desde o tempo do fascismo. Disseram-nos que havia crise. E há! E como. Milhões de portugueses recontam os cêntimos com que deviam pagar a prestação ou a renda de casa, o carro, a água, a luz, o gás, o vestuário e outros bens que num país da “Europa Connosco” são agora bens de luxo – o acesso à saúde ou à educação. Há crise. Há. Revivem-se histórias antigas que ouvimos contar. A pobreza salazarenta de uma sardinha a dividir por dois ou três, dos pés descalços, do analfabetismo, do alcoolismo generalizado e das doenças mentais, da mortalidade infantil num país de anjinhos que se choravam nas tabernas à porta do cemitério, de uma esperançazita de vida de merda, num salta às escondidas para franças e alemanhas, de guerras coloniais de rebenta minas, pernas desaparecidas na picada e olhos que se fechavam no na noite para sempre no capim em África, de caixões de pinho, de medos, de miséria na “alegre casinha modesta como tu” e que “felizes que estamos neste rectangulozinho que Salazar protegeu da guerra”. Eram histórias de tempos lá longe que embora marcados nos corpos e corações dos mais velhos eram medalhas de vida, troféus de um passado para mostrar em tempos de vida nova de conquistas de dignidade que Abril trouxe com reformas, salários mínimos, médicos, escolas e outros direitos elementares que agora por insulto apelidam de regalias e modos de vida “acima das tuas possibilidades”. Mas as histórias antigas, feitos destemidos de um povo sofredor, ressuscitaram do baú da memória e estão aí de novo. Quase todas recuperadas. Falta a guerra…

Dizem-nos que há crise. Se há! Três bancos – BCP, BPI e Banif caritativamente auxiliados pelo governo em 7 mil milhões de euros. Na véspera de ano novo, o governo praticou mais um acto caridoso recapitalizando o Banif com mil e cem milhões de euros, 13,3 vezes mais que o valor bolsista do banco ( 83 milhões)! Há crise!

As maiores fortunas nacionais aumentam 13 por cento entre 2011 e 2012. Em ano de grande austeridade, a família Soares dos Santos reforça a sua fortuna em mais 714 milhões e Belmiro dos Santos em mais 293 milhões de euros.

Entretanto, o FMI anuncia a receita milagrosa para acabar com a crise e cortar 4 mil milhões na despesa pública. Cortes até 20 por cento nas pensões. Cortes no subsídio de desemprego e redução da sua duração. Subida da idade de reforma. Nova diminuição de salários da função pública em 7 por cento. Despedimento de 50 mil professores. Aumento das propinas. Aumento das taxas moderadoras. Delegação de competências (do público) para o ensino privado. Etc, etc.

Tudo simples. Tudo claro. Tudo normal.

 

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