Opinião – Já demos pró ciclone

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Francisco Queirós

Francisco Queirós

Nesse sábado pela manhã levantou-se um temporal como não havia memória. O país foi varrido pelo vento. A pressão atmosférica era extremamente baixa e os anemómetros registaram rajadas de 133 km/h em Coimbra e de 167 km/h na Serra do Pilar. Por todo o país ficou um rasto de destruição.

Dois dias depois, o jornal “O Século” noticiava, em primeira página, “27 mortos e cerca de 200 desaparecidos nos mouchões do Tejo”. Cifra muito aquém da verdade. Era sábado, 15 de Fevereiro de 1941. O ciclone atingiu gravemente muitas zonas do país, em particular o Algarve, zonas do Tejo, mas também Coimbra.

Mais tarde, apesar da censura, os jornais referiam imprecisamente muitos mais mortos e desaparecidos. Por todo o país, voaram telhados, ruíram casas, tombaram árvores, automóveis destruídos, culturas agrícolas arrasadas. E muitos mortos, em número escondido pelo regime.

À miséria da época, escassez de bens e fome, somou-se mais miséria e fome. Em breve, Salazar agravou a carga fiscal, com impostos “para as vítimas do ciclone” com acréscimo de um tostão nalguns bens e serviços, como as entradas dos espectáculos. Impostos que se eternizaram, sacrificando os mais pobres. “Já demos pró ciclone” – comentava-se.

Em criança ouvi aos meus pais, com profunda atenção, relatos desse sábado de 1941. Apesar das condições climatéricas excepcionalmente de extrema adversidade, o impacto catastrófico do ciclone ficou muito também a dever-se às condições das construções da época. Num país rural, profundamente pobre, com muitas habitações humilíssimas, muitos casebres, as consequências foram ainda mais dramáticas. Era 1941, num país condenado a ser pobre subjugado por uma ditadura fascista.

19 de Janeiro de 2013, madrugada e manhã. Portugal varrido por ventos fortes. Cento e poucos quilómetros por hora. Mais de setenta anos depois do ciclone. Meios tecnológicos incomparáveis aos daquela época, das comunicações à rede eléctrica e meios de socorro. Uma outra cultura de segurança e protecção, supostamente.

As condições climatéricas graves são reais. Mas não ocorreu nem um terramoto nem um fenómeno de gravidade extrema e um país moderno ficou parado. Aos ventos fortes da mãe natureza, o país da Europa da troika responde mal. Bombeiros, técnicos de protecção civil, funcionários de serviços municipais fizeram o seu melhor e Portugal agradece. Mas como justificar a inoperância de certos serviços?

Vários dias depois, vastas zonas do país continuam sem energia eléctrica, com enormes prejuízos para muitos milhares de portugueses, sem aquecimento no inverno, com frigoríficos e arcas descongeladas e produtos alimentares irremediavelmente estragados numa época em que estes bens, outrora de primeira necessidade, são agora já bens de luxo.

A EDP privada, com menos meios, com pouco pessoal, mas muitos lucros, contratando empreitadas e subempreitadas não responde à função social, comprovando que este é um sector vital e fundamental para o Estado e que para bem de todos deve ser público. Quase uma semana depois do vendaval, há populações sem água e sem telecomunicações. E há certamente muitas lições a retirar relativamente à coordenação das respostas.

Na manhã de sábado, ao lado de moradores de um bairro municipal em pânico causado por várias árvores de grande porte terem tombado para os telhados das suas casas, testemunhei inúmeras debilidades.

Sábado de Janeiro 2013 – um país empobrecido, sob o domínio da troika e de um governo inapto. Sábado de Fevereiro de 1941 – um país pobre, sob o quero, posso e mando da ditadura. Muitas diferenças, mas nem tanto.

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