Opinião – Encarceramento

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Gonçalo Capitão

Aqui há umas luas dei comigo a especular nesta página sobre a influência que teria tido o colapso da União Soviética no desmando actual da economia de mercado.

Continuo a suspeitar de que, sendo um sistema cruel para os que viveram sob a sua égide, era a sua existência que obrigava as ditas democracias de estilo ocidental a manter padrões elevados de dignidade humana, que serviriam para demonstrar que nós é que sabíamos tratar bem dos nossos.

Sendo que a China está empenhada em, sem desmanchar o sistema político, demonstrar que a versão asiática da economia é tão liberal como as outras, a falta da “cortina de ferro” fez cair o último biombo de pudor que travava a descarada afirmação da posse e da propriedade sobre a própria existência. Somos o que temos, e a maioria de nós tem cada vez menos, pelo que…

…pelo que, entre outras coisas, arriscamo-nos a dar razão à teoria marxista, precisamente pela aplicação desenfreada dos pressupostos da construção teórica que a desmente. Vejamos: é ou não verdade que cada vez menos sujeitos lucram, enquanto os demais definham, contando tostões para pagar bens essenciais como comida, roupa, educação, saúde e habitação? O que nos leva ao jargão comunista e à “apropriação da mais-valia”…

E se a conflitualidade social que vemos nas ruas ainda não é “luta de classes”, nenhum de nós pode dizer que percebeu onde tudo isto vai parar se continuarem a apertar um cinto que, um dia destes, pode tornar-se forca.

Sublinho, entretanto, que não escrevo contra qualquer governo, mas sim sobre a percepção que tenho dos excessos em que caímos na época pantagruélica (em que tudo se comprava e vendia) e na era famélica (a de hoje, como está bem de ver…).

E se, por um lado, antevejo o perigo da recuperação de popularidade por parte de um ideal que, tendo componentes intelectualmente válidas, se provou já irrealizável, por outro lado, assistimos à sorrateira ascensão de outro flagelo: a extrema-direita.

De facto, nos países do Norte e Leste da Europa, integrem ou não os governos e parlamentos, cresce a demagogia populista de partidos tributários de algumas das mais sangrentas atrocidades cometidas em nome de uma ideologia. As razões, a meu ver, nem são tão inexpugnáveis: é muito fácil culpar os “outros” (leia-se imigrantes, mormente se a raça não for a mesma) quando escasseiam os empregos (mesmo quando estes desempenham tarefas que os nacionais se recusam a fazer). Por outro lado, é tão fácil ser adepto das organizações supranacionais (como, por exemplo, a União Europeia) quando a cornucópia jorra, como nacionalista e xenófobo quando chega altura de, nesse quadro, ser solidário… Todavia, a isso chama-se cinismo e cobardia.

E o pior é que o corredor entre estas duas assombrações está cada vez mais estreito…

 

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