Fio-de-prumo – Uns milhares de euros

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LUÍS PARREIRÃO

Luís Parreirão

Com a solenidade adequada à dimensão da tarefa e à notoriedade dos presentes, o Governo empossou, no verão passado, uma comissão que tem por missão conceber e propor um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional.

De facto, bem se compreende que tendo o mundo mudado tanto desde 2003, data da aprovação do Conceito em vigor, haja a necessidade de o actualizar. Para além disso a Aliança Atlântica aprovou recentemente, na Cimeira de Lisboa, um novo conceito estratégico que certamente teremos que internalizar. Este novo conceito estratégico está já, aliás, a ter impactos na estrutura da Aliança em Portugal, na justa medida em que ao predomínio de uma lógica de protecção e defesa de um território, se evoluiu para uma concepção mais lata das ameaças e, consequentemente, para o combate a essas ameaças, onde quer que elas se localizem.

Mesmo não sendo especialista, fácil é concluir que estes novos conceitos, no que tange à vertente militar da defesa, implicarão uma muito maior mobilidade das Forças Armadas, uma maior tecnicidade e uma dimensão operacional que pressupõe melhores qualificações individuais dos seus membros.

Convirá, no entanto, não perder de vista que os homens e mulheres que servem nas Forças Armadas não passarão, por isso, a ser “máquinas de guerra”. São seres humanos, dotados como quaisquer outros de sentimentos e emoções, que voluntariamente fizeram uma opção de servir o seu país e que tal opção representa, mais do que uma opção de carreira, uma opção de vida que a todos exige respeito.

É por isso que não consigo perceber a governamental opção de neste Natal não visitar os militares portugueses a cumprir missões em vários países. Não percebo do ponto de vista afectivo e dos sentimentos. Não percebo do ponto de vista da concepção das obrigações do Estado para com os seus servidores. Compreendo ainda pior quando a razão invocada é a de que, desta forma, se “poupam uns milhares de euros”.

Um Estado que não tem dinheiro para que os seus órgãos de soberania visitem os seus exércitos deve questionar-se se pode continuar a ter Forças Armadas e se deve, ou não, continuar a participar em missões internacionais.

A acção política tem uma dimensão simbólica que é necessário sempre preservar, sob pena da dissolução do Estado, das Instituições e da sua coesão. Por “uns milhares de euros” deu-se um forte golpe na relação entre a soberania e uma das instituições mais importantes para a sua preservação.

Verifico, também, que sobre este assunto nem os restantes Órgãos de Soberania nem os Partidos Políticos se pronunciaram, pelo que sou levado a concluir que concordarão com o procedimento governamental. Sim, porque se o silêncio decorre de considerarem o tema irrelevante é ainda mais preocupante, para não dizer aterrador!

Por este caminho, o novo conceito estratégico nacional não passará de uma abstracção sem sentido.

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