A crise da oportunidade perdida

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01 NORBERTO PIRES

Norberto Pires

Esta crise que vivemos é essencialmente de valores, de posicionamento perante o mundo e de identidade. A crise financeira e económica é só a parte visível. Pensei, na minha ingenuidade, que esta crise seria encarada como uma oportunidade para mudar a forma como temos vivido. Não porque vivemos acima das nossas possibilidades, ou porque somos irresponsáveis, mentirosos nas estatísticas, ou qualquer coisa do tipo. Mas porque, de facto, andamos um pouco sem rumo há muito tempo. Sem uma direção de longo prazo, sem um propósito nacional. E isso tende a baralhar o discernimento. As más escolhas, pouco conscientes, o desleixo, o desânimo e o comportamento errático sem bem evidência disso.

Mas não. O país concentrou-se em contas, em deficits, em analisar as colunas e linhas de uma folha de cálculo, e esqueceu-se de se discutir a si próprio, de se colocar em causa. Esquecemo-nos todos de parar para pensar o que somos, o que queremos ser e como vamos em conjunto definir um rumo para os próximos anos. Assistimos ao degradar da nossa língua e ficamos indiferentes. Assistimos ao perder de influência da nossa cultura e atuamos como se fossemos um povo extinto. Assistimos ao desespero de sectores importantes da nossa sociedade e criamos trincheiras e atiramos culpas. Assistimos ao rasgar de contratos nos quais muitos basearam a sua vida, e planearam o seu futuro, e não reagimos, não defendemos, não somos homens e mulheres dignos, nem solidários. Assistimos à fome e miséria de muitos e ficamos indiferentes. Assistimos à degradação moral, bem evidente, e achamos um sinal dos tempos, algo que não podemos inverter. Vemos muito daquilo que nos identifica a ser destruído e, aparentemente, não é connosco, não é nosso, não somos nós, é algo que vemos como se fosse um filme, vivendo na vã expectativa que termine bem, e que o herói ganhe e case com a rapariga bonita.

Mas não será assim. O próximo ano será dramático e terá consequências muito graves, se não formos capazes de reagir e perceber que estamos no pior momento da nossa história. A situação vai degradar-se de forma muito acelerada logo a partir de Janeiro. É preciso que estejam conscientes disso. É preciso que percebam que não há milagres e que precisamos de bom-senso.

Devem ter consciência que uma história não se conta assim abrindo um livro numa página ao calhas. Começa-se sempre pelo princípio. Ora essa história de gastar o que se tem, e viver com o que produzimos, é muito verdadeira, mas implica a consciência e a seriedade de perceber que as gerações passadas e a malta que nos governou, com a ajuda da UE e dos países ricos que gostaram de vender carros, aviões, submarinos, etc., para mostrarem muito lucro, gastou o que não tinha e comprometeu as gerações futuras. E com isso construiu uma dívida monstruosa que precisa de ser encarada de outra forma, para não matar a classe média e a vitalidade deste país. É isso que garante que essa dívida poderá alguma vez ser pagar. Um dia desses, no futuro, longínquo, digo eu, Portugal pagará a sua dívida se cuidar hoje da classe que a poderá pagar. Assim, em curto prazo, sem reformas, não é possível. Não é gostar ou não gostar de um discurso de sacríficos, ou de parte dele, é a necessidade de ser realista e não contar só parte da verdade.

(artigo também publicado no re-visto.com)

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