A visita da chancelarina Angela Merkl a Portugal está a levantar um coro de protestos, de todos os sectores da sociedade portuguesa. É óbvio que estamos muito nervosos e que as nossas atitudes começam a ser pouco racionais. Não vi tanto rasgar de vestes, quando recebemos Fidel de Castro ou Kadafi ou, mais atrás, Ceausescu e muitos outros ditadores e tiranos de maus ensanguentadas, mesmo de antigas colónias nossas.
A Alemanha está hoje numa situação privilegiada, do ponto de vista económico, em relação aos restantes países europeus, e mesmo a nível mundial; mas nada disso foi obra do acaso. O paciente e árduo trabalho dos alemães começou, no dia seguinte ao cessar-fogo de 1945 e, quais formigas, meteram mãos à obra, no sentido literal, e reergueram, com a ajuda de países como os EUA, um país em completa ruína física, moral e psicológica.
Todos os que sabem um pouco de História têm consciência de que a Alemanha tem tendências hegemónicas, desde o tempo do medievo Sacro-Império Romano Germânico, e que provocou três guerras, na Europa, e duas delas em todo o Mundo, em menos de século e meio. Mas é um facto que, sendo sempre derrotada e destruída, usou depois as ajudas que recebeu, para se reconstruir e para recriar uma sociedade de bem-estar. Se assim não fosse não haveria lá mais de meio milhão de portugueses, 2 ou 3 milhões de gregões, outros tantos espanhóis e 4 ou 5 milhões de turcos, etc. Foi também um país de acolhimento para quem fogia das ditaduras ou da miséria, antes na Europa comunista, agora da Europa da Fome e do Desemprego, ou da África dilacerada por guerras internas. Foil, aliás, na cidade alemã de Bad Munstereifeld, que o Partido Socialista Português fundado, em 19 de Abril de 1973. Na altura, a Alemanha era boa.
A Alemanha trabalhou, usou racionalmente cada dollar ou franco que lhe emprestaram e, em três décadas, era novamente uma potência que se viu unificada com a queda do muro, em Berlim e a a implusão desse monstro político que é o Comunismo.
Para os portugueses, a Alemanha era boa, quando financiava o PS de Soares, o PPD de Sá Carneiro e o CDS de Freitas do Amaral, para combater o PC e os militares do Conselho da Revolução.
A Alemanha era boa, quando após as negociações de adesão de Portugal à CEE, e sobretudo no tempo dos fundos estruturais, começou a mandar para cá milhões e mais milhões, que desbaratámos alegremente, criando uma vida de ricos, em vez de criarmos as bases para uma sociedade de trabalho, de responsabilidade, solidária e, consequentemente, próspera. Nós tínhamos tudo do bom e do melhor, comprado com marcos emprestados e, cigarras que somos, há séculos, passávamos os dias a cantar e desfrutar dos benefícios do dinheiro fácil que outros criaram com o sour dos seus rostos e muitos calos nas mãos. E os alemães lá continuavam, como a formiga, a trabalhar, a abrir novos mercados, para a expansão da sua Economia, em zonas emergentes, como a China, a Índia, a Indónésia e grande parte da América Latina.
As formigas alemãs continuaram a labutar, dia após dia, com uma produtividade única, governos de alta competência e com governantes bem pagos, e uma inteligência rara nos gastos, entre o que devia ser destinado ao consumo imediato e o que devia ser destinado ao investimento produtivo.
Agora, esta Alemanha, a que ressurgiu das cinzas com Adenauer e que continuou com Schmidt e Kool, reclama o seu papel, e reclama os seus créditos, acertadas as contas de 1939-1945. No fundo, as cigarras portuguesas apenas se podem queixar de não terem seguido o exemplo das formiguinhas alemãs.
Como os nossos governantes de hoje não admitem que lhes sejam imputados os erros ou mesmo crimes cometidos, há 50 ou 100 ou 500 anos, noutras partes do Mundo, por portugueses, sob a alçada do Estado Português – nem a generalidade dos portugueses o aceita –, pela mesma lógica também não podemos assacar a Angela Merkl e ao seu Governo os crimes do Nacional-Socialismo, de que tantos democratas alemães foram igualmente vítimas, o que parece ser hoje o “desporto nacional”. A demagogia está na moda; e também falta aos portugueses estudar um pouco mais de História.