Opinião – Noites brancas

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Paulo Valério

Quando conheço alguém novo, uma das primeiras coisas que lhe digo é que sou de Coimbra. Este hábito tem pouco de premeditado. E, para dizer a verdade, só recentemente tomei consciência de que o faço. Imagino que seja uma mistura de bairrismo e curiosidade. O bairrismo, acho que não preciso de justificar; a curiosidade alimenta-se dos comentários que, em troca, acabo por receber.

Nestas circunstâncias, sobre Coimbra, já ouvi um pouco de tudo. No último dos casos, um empresário de meia-idade, que aqui viveu nos primeiros tempos de casado, dizia-me que visitou a Baixa e ficou impressionado com o “deserto que ali vai”. Com o “perigo” que é, ao final de um dia de trabalho. Lembrava-se de uma Baixa diferente, onde as pessoas se encontravam e que, em grande medida, era o coração da cidade. E eu lembrava-me disso, também. Nos anos setenta? Não, nas chamadas Noites Brancas.

Sempre me intrigou por que razão resolveram baptizar uma noite em que se passeia na Baixa, com o nome de uma festa snob no sotavento algarvio. Mas isso agora não interessa nada. Afinal de contas, também existem Nuits Blanches em Paris. Sucede que, entre outras coisas, em Coimbra só mesmo aquele tipo de iniciativas resgata, por escassas horas, as ruas da Baixa. Fora disso, uma degradação constante a que ninguém parece saber (ou querer) dar resposta.

Sejamos francos, as Noites Brancas e coisas parecidas devolverão a Baixa de outros tempos, tanto quanto a Feira Medieval fará regressar o hábito de andar descalço na Sé Velha e comer sopa com as mãos; ou como a Feira das Cebolas convencerá os homens a ir trabalhar de socas e as senhoras a deixar crescer o bigode.

Entretanto, há vinte anos que os programas dos vários candidatos autárquicos contemplam medidas mais ou menos visionárias para a reabilitação da zona. Pelo caminho, tivemos até vários períodos em que convergiram, no Governo e na Praça 8 de Maio, as mesmas forças políticas, com o resultado que se vê.

Do ponto de vista dos comerciantes, levar as pessoas à Baixa, nem que seja uma vez por ano, tem os seus méritos; mas na perspectiva dos poderes públicos, ficar reduzido a isso tem um alcance etnográfico e a mesma racionalidade que o fogo de artifício da Rainha Santa.

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