Francisco Queirós
Paulo foi despedido por ter dado trinta euros a uma cliente do hipermercado onde trabalha. Os jornais narram o episódio. Paulo, operador de caixa de um hipermercado, apercebeu-se da enorme atrapalhação de uma cliente quando constatou que não tinha dinheiro suficiente para pagar os diversos produtos que acabara de colocar no tapete rolante junto à caixa de pagamento.
Solícito, o funcionário começou por seleccionar os produtos de primeira necessidade e feitas as contas ainda faltavam cinquenta cêntimos. Solidário, Paulo assumiu esse pagamento, informando o seu chefe do acto. Qual a sua surpresa quando se vê posteriormente alvo de processo disciplinar e mais ainda quando este processo levou ao seu despedimento por justa causa, acusado de ter “dado 30 euros a uma cliente”!
A história vem nos jornais. A ser verdadeira, tal qual nos é contada, é de bradar aos céus. Que país é este?! Uns, perturbados com as dificuldades dos outros, são generosos e por isso são severamente punidos! Outros e outras, responsáveis oficiais em missões de combate à pobreza, pronunciam-se ofensivamente sobre a vida miserável dos mais carenciados!
Há episódios frequentes, relatados na comunicação social, da reacção implacável de algumas grandes superfícies a furtos nos seus estabelecimentos. O delinquente que furta produtos supérfluos, bebidas alcoólicas ou produtos de luxo tem de pagar por esse acto. Ninguém duvidará. Não se compreende é o desembainhar de uma espada implacável sobre idosos aposentados ou desempregados na miséria que em situações de desespero furtaram conservas e outros bens alimentares. Os jornais já referenciaram situações de furto de pão ou outros géneros alimentares, no valor de pouco mais de meia-dúzia de euros, em que a grande superfície em causa se recusou a receber a quantia correspondente ao valor dos produtos, optando por avançar para via judicial, o que aliás acarretará custos efectivos que em muito ultrapassam os da perda inicial. Querem ser e parecer inquebrantáveis justiceiros! Temem o dia, que por este caminho virá e mais cedo do que se possa pensar, em que hordas de famintos desesperados invadam as suas lojas, pilhando o que não têm para dar de comer aos filhos. Até lá, são impiedosos e implacáveis! Humilhe-se a velhota que é ladra! Exponha-se o perigoso meliante ao julgamento público de dezenas de clientes e à condenação, a mais severa possível, da justiça oficial!
E os outros, pá? Sim, os outros? Os que roubam milhões, e que com os milhões roubados pagam defesas luxuosas especializadas em subterfúgios e expedientes dilatórios! Quando e nos raros casos que são descobertos. Esses roubam, mas com charme, com classe, malandrice talvez, mas de berço e com chá e colarinho branco. Não importa que semeiem violência e enormes sofrimentos aos que depois têm de pagar com sacrifício o que usurparam para benefício e deleite próprios!
Prendam-se pois as velhotas, perigosas ladras de conservas. Reformados e pobretanas sem trabalho nem pão assaltantes de papos-secos! Despeçam-se os “Paulos” e todos os generosos e piegas que se incomodam com as desgraças dos outros! E premeiem-se os sem-vergonha que roubando milhões serão sempre respeitáveis e notáveis empreendedores! Não é essa a história que vivemos?