Opinião – Relatório final

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Aires Antunes Diniz

 

Há poucos dias abri o livro de 400 páginas, que contem o relatório que Armando Marques Guedes, o último ministro das finanças da I República, fez logo em 1926 sobre os seus 5 meses de governo. Trata-se de um texto de valor desigual. Mas, apesar disso, é o exemplo que todos os que ocuparam lugares de destaque na nossa governação e, em particular, nos bancos que agora temos de recapitalizar, deviam seguir. Também o deviam fazer os responsáveis pelos órgãos de regulação da nossa economia e da nossa finança. Contudo, alguns destes desapareceram da ribalta sem que ninguém lhes pedisse contas, nem eles se prontificaram a fazê-lo. Verificamos só que nada fizeram para melhorar ou manter as nossas condições. Pelo contrário, deixaram bem pior do que as encontraram as instituições que geriram.

Nada foi como aconteceu com “Porto, Coimbra, Braga, Viseu, Aveiro e tantas e tantas vilas por esse país fora (que) receberam, desde 1910, um impulso que as sacudiu da inércia marasmada e improgressiva, em que as mantinha o regime centralizador do Código administrativo de 96” como nos relata Armando Marques Guedes em 1926.

O 28 de Maio de 1926, que desapossou do poder de comandar as nossas finanças públicas o professor Armando Marques Guedes veio entregá-lo a Sinel de Cordes, que teve uma governação tão desastrosa, que os historiadores ortodoxos do Estado Novo esconderam com sucesso de tal modo que ninguém sabe o que passou. Também ninguém parece saber do caso Alves dos Reis, que Armando Marques Guedes tentou resolver para salvar a República. Também ninguém nos conta o que passou no parlamento quanto ao contrato dos tabacos, que devia ser renegociado em Abril de 1926 e que os parlamentares mal comportados de então fizeram adiar, prejudicando o Estado. Claro que nunca fizeram o relatório das suas atividades, nem tal se esperava. Esperaram calmamente que Salazar as fizesse esquecer. De facto, em 1928 pediu-se a intervenção da Sociedade das Nações para colmatar o buraco financeiro da ditadura militar, mas Salazar resolveu tudo com a sua ditadura ministerial.

Como farsa, vivemos agora tempos bem semelhantes pois o BPN e o BPP têm histórias pouco edificantes, onde no primeiro assistimos só a uma novela de sucessivos anúncios de mais buracos financeiros. Só soubemos de um caso quando foi necessário dar guarida a Duarte Lima para que os brasileiros não pedissem mais a sua extradição. Quanto ao segundo já ninguém se lembra do bem-sucedido Rendeiro.

Escondendo bem a história, os “nossos desgovernantes” chamaram a Troika que lhes foi fazendo sucessivos exames, dando-lhes como prenda mais umas tranches financeiras para os bancos. Como tudo se agravou na nossa economia, questionada a Troika, soubemos que o Memorando sobre qual o Governo tem sido avaliado até agora foi feito por ele, mostrando que o seu sucesso nos sucessivos exames é pura batota.

Bem, estamos mesmo a precisar que o governo faça o seu relatório final!

 

1 – Armando Marques Guedes – Cinco meses no governo, Livraria Chardon, Porto, 1926, p. 327.

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