Mário Nunes
Coimbra, o país e o mundo perderam, física, artística e inteletualmente uma figura incontornável da Canção de Coimbra, embora essa voz de ouro permaneça viva no espaço e no tempo graças às tecnologias existentes, que “guardam” e permitem reproduzir, em pleno e quando se deseja, os valores sem preço que o homem criou e ofereceu à humanidade. Essa figura inconfundível, carismática, sonhadora, leal, franca, frontal, reformadora e criativa chama-se: Luiz Goes. A sua morte, como foi referido por alguns amigos, tornaram esta Coimbra única, mítica, mística, romântica, inesquecível e sempre presente na vida dos portugueses e em muitos estrangeiros, mais pobre, apesar da riqueza amealhada pela clarividência, saber, dinamismo e espírito inovador de Luiz Goes permanecer viva e ser exemplo estimulante para aqueles que continuam a beleza ímpar da Canção de Coimbra. Nós, amigos pessoais de muitos anos do já saudoso Luiz Goes, jamais esqueceremos o cultor extraordinário da Canção de Coimbra, aquele que “vencendo alguns Adamastores”, como escreveu Mia Couto, conferiu a este património imaterial e incomparável de Coimbra, o novo fôlego que precisava para se manter alcandorado no lugar que ocupa, respeitado e admirado. Deu-lhe o impulso que se impunha para a revitalizar e inovar.
Luiz Goes, tal como António Menano, Edmundo Bettencourt, José Afonso, Carlos Paredes e tantos outros desta plêiade de investigadores, compositores, músicos e cantores da Canção coimbrã, identifica uma marca indelével que jamais perece. Operou, com o seu inconformismo, criatividade, dinamismo e virtuosismo uma autêntica revolução, sustentando a sua força artística e inteletual na profunda reflexão que fez sobre esta herança genuína e que possibilitou a mudança indispensável para a cultivar e lhe proporcionar uma nova fase da sua excelência.
Luiz Goes, com quem privámos amiúde, pessoal e por correspondência, sugeriu-nos, um dia, que escrevêssemos um trabalho sobre o Penedo da Saudade. Entendemos a sua atitude, e ao responder-nos a acusar a receção do livro, “Penedo da Saudade – História e Tradição”, foi gratificante nas palavras: “Obrigado pela obra que faltava à cidade”. Mas, se este gesto marcou, para nós, uma sincera amizade, esclarecemos que estava sempre disponível para colaborar. Inúmeras vezes partilhou ações culturais com a câmara, quando éramos responsáveis pela cultura do município. A sua voz melodiosa e as suas opiniões revertiam sempre a favor de uma Coimbra maior, mais cultural e mais divulgada no mundo. Aliás, a sua filosofia visionária tinha sempre o condão de despertar a “sonolência” daqueles que ousavam cultuar a Canção de Coimbra e a quem dirigia coragem para a manterem sublime e revigorada, eternamente pujante e bela.
Mas, se Luiz Goes colaborou desinteressadamente com a Autarquia, não olvidamos a sua presença nas noites anuais do “Fado de Coimbra”, em Santa Cruz, da responsabilidade do grupo “Menina e Moça – Guitarras de Coimbra”, e recordamos, ainda, o encontro organizado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais, Francisco Andrade.
Nesta hora de saudade em que escutamos o seu “Fado da Despedida”, mais impressionados ficamos pela riqueza das suas cordas vocais que, efusivamente, expandiam uma voz poderosa, timbrada, de espantosa sonoridade e que emudecia, pelo seu vigor, qualquer ouvinte mais distraído. E, ao silêncio de ouro respondia forte e sonora a voz de ouro de Luiz Goes. Paz à sua alma.