Opinião – Na festa da Assunção de Maria

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Manuel Augusto Rodrigues

Feriado nacional consagrado à Assunção, o dia 15 de Agosto representa uma das festividades cristãs mais antigas, grande pelo facto que evoca e pelo simbolismo que encerra. Guardam-no muitos países católicos, na sequência de uma prática multissecular. A propósito, lembramos que Napoleão I, inspirando-se numa personagem cuja existência histórica é contestada (São Neópolis teria sido um mártir do séc. IV°), determinou em 1806 que o dia 15 de Agosto fosse dedicado a São Napoleão! Resultaria dessa feita o sincretismo entre uma festa religiosa e uma celebração civil. Durou até 1815, sendo abandonada com a Restauração, mas em 1852, Napoleão III restabeleceu-a e manteve-se como festa nacional até 1870 que passou a ser comemorada no dia 14 de Julho. Também entre nós a solenidade da Assunção foi suprimida do calendário oficial com o advento da República. Coisas do tempo!

Além de “assumptio”, do latim “assumere”, elevar, outros vocábulos traduzem a mesma ideia: “transitus Mariae”, “pausatio”, “nativitas”, “mors”, “depositio”, “dormitio Sanctae Mariae”. A “Dormição” tem uma tradição essencialmente oriental. Os muitos livros e os inúmeros ícones são um exemplo esclarecedor, o mesmo se podendo dizer do belíssimo hino “acatista” em honra da Assunção. Também a sua virgindade perpétua (“Theotokos Aeiparthenos”) é uma tradição ancestral no Oriente. O imperador Maurício, no séc. VI, instaurou o culto da Assunção, mas a Roma só chegou no século seguinte por indicação do papa Teodoro. Enquanto na Igreja latina dominou o termo Assunção, já na Igreja grega se radicou “Dormição da Theotokos” (“Koímesis Theotokou”).

Os calendários moçárabes do séc. XI falam da “Adsuntio sanctae Marie uirginis”. Num calendário de Córdova lê-se: «In ipso Christianis est festum Assumptionis Marie uirginis, super quam sit salus». Num calendário astronómico conservado no Escorial com o nº 932 e citado pelo consagrado especialista F. X. Simonet diz-se: «Festa do “transitus” e morte de Maria, e fim do seu jejum» como preparação da Assunção, o que também é seguido pelos gregos.

Escritores como João Damasceno, Bernardo de Claraval e Francisco Suárez dissertaram abundantemente sobre temas mariológicos e os artistas e musicistas não esqueceram a Assunção: Corregio ( 1430 ) em Parma, Tommaso Masolino ( 1435 ) em Nápoles, Ticiano ( 1518 ) em Veneza, El Greco ( 1608 ) em Toledo, Rubens (séc. XVII) em Bruxelas, Viena e Antuérpia, e Charles-Antoine Bridau ( 1773 ), numa escultura do coro da catedral de Chartres; e Palestrina e Marc Antoine Charpentier com a composição de Missas da Assunção. A arte portuguesa, com relevo para as catedrais, colocadas sob a invocação da Senhora da Assunção, tem na Sé Catedral de Coimbra a sua expressão sublime no magnífico retábulo do séc. XV-XVI, obra dos mestres Wlivier e João de Ypres. Na onomástica, lembramos o facto de muitas pessoas terem o nome Assunção.

A Igreja aceitou esta verdade como dogma a partir da definição solene de Pio XII em 1950, à semelhança do que em 1854 havia feito Pio IX com a Imaculada Conceição. Em atenção ao facto de ter sido a Mãe de Cristo a “Theotokos” não conheceu o pecado original nem, consequentemente, esteve sujeita à morte e ao túmulo, porque era Mãe da Vida, lê-se num texto da liturgia bizantina antiga. O Vaticano II diz que a Assunção foi dada aos homens «como sinal de esperança segura e de consolação» (“Lumen Gentium” 68 e prefácio).

Na liturgia deste dia tão carregado de simbolismo canta-se o triunfo de Maria através de textos bíblicos deveras sugestivos: em tom apocalíptico, fala-se do templo de Deus e da Arca da Aliança, de uma mulher vestida de sol, com a lua a seus pés, que estava coroada com 12 estrelas, e do dragão que tentava matar o Menino (Ap 11,19a; 12,1-6a.10ab). O Salmo 44 é um maravilhoso canto de louvor à Rainha resplandecente. S. Paulo fala de Cristo ressuscitado como sendo as primícias da vitória final sobre a morte ( 1 Cor 15, 20-27ª). O Evangelho é dedicado ao “Magnficat” (Lc 1, 39-56 ) que contém uma excelente mensagem para este dia jubiloso. Ao homem ela lembra que Deus realizou uma tripla subversão das falsas situações humanas. Derruba as auto-suficiências humanas: confunde os planos dos que nutrem pensamentos de soberba, erguem-se contra Deus e oprimem os outros. Destrói os injustificáveis desnivelamentos humanos: derruba os poderosos dos seus tronos e levanta os humildes; não prefere os que põem e dispõem dos povos mas os que os servem para promover o bem das pessoas e da sociedade sem discriminações raciais ou culturais ou políticas. Despedaça a intocável ideia estabelecida sobre o ouro: cumula de bens os necessitados e manda de mãos vazias os ricos, para instaurar uma verdadeira fraternidade na sociedade e entre os povos.

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