Aires Antunes Diniz
Os percursos científicos dos nossos cientistas foram sempre objeto de obstáculos diversos, quase sempre o resultado da estreiteza de vistas dos que comandam os negócios públicos, como nos conta Ricardo Jorge na sua linguagem arrebatada e cheia de vocábulos cheios de energia positiva.
É assim que sucintamente explica que “Ao tempo a microbiologia começa a vagir em estabelecimentos públicos; o professor Amado tentava-a no laboratório municipal de higiene, onde trabalhou contratado o alemão Emmerich; ensaiava-se em Coimbra, e entrava até na orgânica e no programa do Instituto de Agronomia, reformado em 1886 pela pena alta dum estadista de vistas de águia e pulso de atleta, Emídio Navarro, tão sabedor e consciente, e como tal prestes atirado à gemónias. Esta contribuição dos médicos veterinários foi deveras proveitosa à bacteriologia nascente e merece louvores”. 1
Alguns dos obstaculizadores de serviço na altura são agora desconhecidos, jazendo no esquecimento. Só recordamos os que fizeram algo pelo progresso nacional, esquecendo todos os outros que foram felizes na pasmaceira nacional que provocaram. Entretanto, não lhes faltou nada e foram até incensados como quaisquer “pachecos” como nos ensinou Eça. Mas, infelizmente, parece que os portugueses não os identificam como bloqueios.
Ensina-nos a história da Saúde Pública que Ricardo Jorge como prémio do seu bom trabalho na cidade invicta, acabou por ser expulso do Porto e foi trabalhar para Lisboa. Esquecem-se agora deste facto os que recordam que identificou a peste com bem escassos meios científicos, esquecendo este feito e absolvendo todos os poderosos, que bloqueiam o progresso científico e social. Mas, Ricardo Jorge em 1899 não podia absolver “os que com responsabilidade consciente ou inconsciente pregaram as heresias, a quem fizeram mal, não foi a mim, que nem sequer abateram; foi ao povo e à cidade. Mal vai se a esta hora já não terão sentido arrependimento e remorso.” (ver Ricardo Jorge. A Peste Bubonica no Porto – 1899. Seu Descobrimento –Primeiros Trabalhos. Repartição de Saúde e Hygiene da Camara do Porto, 1899).
Na verdade, os bloqueadores da grei nunca se arrependem, nem sequer têm remorsos. Só assim se justifica que neste país se continue a morrer precocemente por falta de acesso aos cuidados de saúde e se considere normal o fecho de unidades hospitalares por todo o país, incluindo Coimbra, prejudicando os mais débeis física e financeiramente.
Contudo, as notícias que correm agora pelos jornais do país, dão-nos conta da vontade de alguns “sábios” que cortam a eito e sem remorsos no acesso de todos aos meios hospitalares e outros equipamentos, prejudicando um povo estoico, porque capaz de aguentar tudo, como nos informa Passos Coelho, parecendo querer primeiro moquear-nos e depois remoquear-nos. Na verdade, trata-se só de bloqueios à nossa vida pessoal e coletiva, saibamos por isso dizer-lhes não.
1 – Ricardo Jorge – A propósito de Pasteur, Portugália, Lisboa, 1923, p. 43.