Aires Antunes Diniz
Vivemos tempos estranhamente difíceis pois que, em nome de interesses pouco claros, nos pedem sacrifícios infinitos e até insuportáveis, sem que nos expliquem porquê.
Prometem-nos que ficaremos bem melhor e, não querendo desanimar-nos, alguns ministros dizem que todos os sacrifícios acabam daqui a um ano. Outros esquecem até o que disseram há uns meses. De facto, o ministro que veio de Vancouver, o inimaginável Álvaro escreveu em Abril passado: “Bragança nunca será Lisboa, nem a Guarda será o Porto.
Porém é imoral e pouco correcto abandonarmos Bragança, Guarda e outras cidades, vilas e aldeias do interior à sua sorte. É injusto fingirmos que estas localidades não existem para dar votos e se vergarem ao centralismo de Lisboa ou do Porto” (in Portugal na Hora da Verdade, Gradiva, pp. 496-497).
Parecia ainda combater uma realidade obtusa, que existia em Portugal no alvorecer da nossa rede ferroviária, descrita assim numa nota do Ministério das Obras Públicas: “Levantam-se os pequeninos interesses, fervilham as raquíticas objecções, põem-se em campo as questiúnculas e desdobram-se, na amplidão das pequenas influências, transformam-se aqui em protestos, mais além em embargos e, por tanta parte, em oposição acérrima. Além é Coimbra, que não quer a sua estrada retalhada pela linha que vai fazer daquela cidade o centro do comércio dos povos de Miranda do Corvo, Coruche, Arganil, etc.”
Infelizmente, a propósito da situação caricata, mas dolorosa e incómoda, da Linha da Lousã foi preciso que muitos fossem a Lisboa cantar-lhes as janeiras para que ele se recordasse do que bem sabe. Sabemos por felizmente, Coimbra não ter já essa mentalidade tacanha.
Infelizmente, tinha-a o Governo de José Sócrates que demoliu a linha e inventou as portagens. Seguindo-lhe os passos manteve este problema Passos Coelho que, sendo mais troikista que a troika, premiou o Interior com as portagens mais caras do país, fazendo o que o Álvaro há bem pouco tempo dizia ser “imoral e pouco correcto”. Pior ainda, diferentemente de há 150 anos, não são os pequeninos interesses que são as vozes do atraso, são os grandes interesses que clamam por mais retrocesso civilizacional. Foi o que vimos no último acordo da “Concertação Social”.
Não admira que, perante o desastre social previsível, um dos signatários tente sacudir a água do capote. Sentiu que os juristas do “direito do trabalho” não o tinham defendido suficientemente. E tem razão.
Entretanto, erguem-se por aí vozes que tentam justificar o atraso civilizacional em curso. Fazem-no quase sem argumentos. Sofismam só. Outros temem o pior e tudo fazem para conjurar os maus agoiros. Sabem já que os ministros não cumprem o que prometeram. Sabem que outro mundo é possível, mas sem eles. E vão gritá-lo na rua.
1 – Frederico de Quadros Abragão – Caminhos de Ferro Portugueses – Esboço da sua História, Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, Lisboa, 1956, p. 109.
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