Morreu a mais antiga referência a Torga

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Mário Nunes

No próximo dia 17 de Janeiro passam 17 anos sobre a morte de Miguel Torga. A Câmara de Coimbra prestou-lhe significativa e grandiosa homenagem durante três anos consecutivos (2005/2007), comemorações que envolveram o país e o estrangeiro, e sustentadas num programa diversificado que abrangeu manifestações culturais, sociais, científicas, artísticas, de educação e de ensino, que perduram no tempo e no espaço graças ao suporte físico e imaterial que as testemunha e memoriza, porque registadas em monumentos, livros, jornadas, toponímia, arte, geminações e outros valores.

O grande homem da cultura que derramou o seu saber numa obra grandiosa que se acomoda na poesia, teatro, ensaio, conto, romance e prosa diarística, obra que doou à Humanidade e que o imortaliza, está semeada nas páginas de mais de cinco dezenas de títulos, onde emergem uma forte ligação à região natal, a Portugal, à Península Ibérica e às suas gentes, trabalhos que lhe conferiram os mais elevados e elogiosos galardões atribuídos por entidades e instituições nacionais e estrangeiras. Um semeador que espalhou a semente pelos mais diversos campos da cultura.

Nas obras vindas a lume sublinhamos o “Diário” (16 volumes), onde dedica inúmeras passagens ao companheiro inseparável das caçadas, o Padre Avelino Augusto Silva, uma figura emblemática que tinha a qualidade de saber contar, emocionado, as histórias passadas com o seu íntimo amigo e de recitar os seus poemas sem se esquecer de um único verso. Ora, este derradeiro confidente de Torga finou-se recentemente e teve a justa homenagem da região transmontana na hora da despedida. Soubemos do infausto acontecimento pela nossa amiga e estudiosa de Torga com obra publicada sobre o autor dos “Bichos”, Drª. Assunção Anes Morais, escritora e docente que participou nas comemorações torguianas.

Porque privámos com o Padre Avelino, várias vezes, porque conhecíamos a sua grandeza espiritual, a têmpera altruísta, a sabedoria, a afabilidade e o sentimento de permanente disponibilidade que nutria com todos os cidadãos, achámos por bem tecer estas linhas para dar conhecimento (aos que não sabem), de que morreu a mais antiga referência viva do escritor telúrico, do plantador de poesia, do vizinho e do companheiro de Torga. Sacerdote de memória brilhante esteve, algumas vezes, em Coimbra e na Casa de Miguel Torga. Era ele que telefonava ao poeta mundial a informá-lo de que a camélia do jardim florira, e Torga rumava, logo, para São Martinho de Anta para admirar a árvore que lhe conferia uma inusitada alegria.

Os panegíricos de relevantes personalidades, incluindo Maria Assunção, evidenciaram quanto o Padre Avelino foi uma lição de vida, um protagonista transversal a gerações inteiras. Acarinhava, sobremaneira, a vida e obra de Torga, sendo o guia privilegiado na orientação das visitas aos que demandavam S. Martinho de Anta para viver “in loco” a terra do escritor. Padre Avelino levava-os à casa, ao negrilho, à escola, ao cemitério e a outros lugares de saudade. E, nas suas explicações aprofundava como nasceu o poema “São Leonardo”, como Torga amava a região, como as caçadas cimentavam a amizade franca e leal. Desapareceu o amigo e promotor de Torga. Este ano não vê florir a camélia de Torga.

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