Do desvio à folga

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Fernando Serrasqueiro

O actual governo começou por anunciar um desvio, que chegou a ser colossal, para mais tarde, através do ministro das Finanças deixar cair o colossal. Começou aí uma história bizarra.

Esse desvio, nunca bem caracterizado, resultou mais das opções do actual governo do que da pesada herança. A incapacidade de cortes na despesa e o desinteresse em certa receita, neste ano, é a explicação. O governo decidiu adiar receitas previstas (exemplo das concessões energéticas, de telecomunicações e dividendos bancários…) a que acrescentou a já muito esperada dívida da Madeira.

Isso serviu para avançar com um conjunto de medidas gravosas que necessitariam duma forte justificação. Surgiram impostos explícitos e outros disfarçados porque aquilo que era sempre afirmado como urgente, redução da despesa pública desnecessária, não se concretizou.

A redução de vencimentos, medida constitucionalmente discutível, é um imposto encoberto porque tem um forte impacto sobre a economia, ela já em recessão.

Do que falava insistentemente o PSD era em cortar gorduras, reestruturar a Administração Pública sem incidência imediata na economia. Tudo adiado ou trocado por cortes recessivos.

Dramatizou-se, recorrendo ao memorando da troika com acções que muitas vezes não estavam na letra do acordo nem na sua interpretação criativa, dizendo que as metas acordadas obrigam a que o caminho seja o defendido pelo governo. ´

Aliás o governo tem disfarçado a sua opção ideológica para o país, que é uma verdadeira revolução e entra mesmo na letra da nossa constituição, colocando-se por detrás da troika.

Os cortes nas áreas sociais, a redução do papel do Estado, a iniquidade nos sacrifícios, a ausência duma estratégia económica são os eixos essenciais dessa política que procura criar uma nova paisagem para o país, com a justificação de não haver alternativa.

Ora em democracia há sempre diferentes opções.

Empobrecimento é consequência das medidas de ajustamento, diz o PM, e assegura que para uma meta do déficit de 5,9% do PIB vamos ter um máximo de 4,5%, o que significa uma almofada de cerca 2 400M€.

A questão que se coloca é a da coerência da narrativa. Primeiramente não havia espaço para evitar o corte do subsídio de Natal mesmo que isso amplie o efeito recessivo e ponha em risco a cobrança de impostos. Agora temos uma folga, porque se foi além do acordado no memorando.

Dissemos que havia condições para uma consolidação orçamental menos recessiva e espero que mais lenta.

Passos Coelho deu-me agora razão ao antecipar redução do déficit e tenho esperança em que novamente devolverá a mesma razão quando tiver que renegociar o calendário da amortização da dívida.

A economia não é estúpida.

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