Associação Integrar distribui café, conforto e alguma esperança

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Foto de Carlos Jorge Monteiro

As ruas de Coimbra “são já o único lugar de cerca 200 pessoas”. Uma delas é este homem, sentado junto ao largo da Portagem, longe dos outros sem-abrigo que se aproximam da carrinha da Associação Integrar.

Tem a barba desgrenhada, os olhos azuis quase enterrados no gorro que lhe cobre a cabeça. Não é português. Há 12 anos deixou o Reino Unido e veio para Portugal com a família. Vivia bem, era casado, tinha uma casa grande, “demasiado grande”. Um dia, o casamento acabou. O homem (que outrora trabalhou “nos computadores”) olha para dentro si, e o silêncio toma conta do discurso durante segundos, enquanto deixa cair o olhar. Gosta do silêncio, aprecia-o aliás. Mas às vezes, quando falha o chão, há palavras que valem quase tanto como um agasalho.

Rotina cumprida quase diariamente

Como tantos outros que vagueiam pelas ruas, também este homem prefere esconder-se do passado que o trouxe até aqui. Desavenças familiares, álcool, desemprego, toxicodependência continuam a ser as causas. Muitos não dormem na rua. Vivem de subsídios, do rendimento social de inserção ou de reformas. É a pobreza que os deixa a viver nas ruas. Outras vezes, a solidão ou o gosto pela liberdade.

Para quem não tem abrigo, os minutos correm fora do relógio. Mas se há uma rotina que é cumprida quase diariamente é a de estar, à hora marcada, perto do local por onde passam os giros de rua.

Junto à Loja do Cidadão, são 11 as pessoas que se abeiram da carrinha. E aqui, na maior parte dos casos, é a droga a culpada pela vida errante em que mergulharam.

As equipas e os técnicos, que têm estratégias e projetos de vida para oferecer, “sentem alguma dificuldade em fazê-los cumprir porque os sem-abrigo também ganham gosto pela liberdade”. Hugo Vaz, técnico da Integrar há quatro anos, vem esta noite acompanhado por Luís Conde, que já tinha estado na associação em 2004 e que entretanto regressou.

Nesta noite, antevéspera de Natal, o giro conta ainda com a presença do padrinho da associação Integrar. MC Fly – ou André Carvalho, como consta no bilhete de identidade – assumiu por inteiro o seu papel. Não regateou sorrisos, distribuiu café e alimentos, conversou com os sem-abrigo. Minutos antes, o rapper MCFly tinha estado no Centro de Acolhimento e Inserção Social para oferecer um cabaz de Natal aos seus utentes.

“Quis abusar da minha filha mais velha”

Nas ruas, os sem-abrigo passam despercebidos, escondem-se na penumbra da noite. Mas mal a carrinha sa associação Integrar pára, saem do escuro, reúnem-se em magote, ordeiramente. Um homem novo traz ao colo uma cadelinha. Está embrulhada num cobertor branco, como se fosse um bebé. “São mais fiéis do que os humanos”, afirma. Ela, a companheira, aparece na noite fria com casaco quente a cobrir-lhe os ombros. O sorriso esconde-se quando lembra as duas filhas, internadas numa instituição do Porto. “Foi um homem que deu cabo da minha vida. Fui maltratada, quis abusar da minha filha mais velha”, lança, dedo em riste.

A MC Fly, pede-lhe que volte e que traga umas músicas para levar à sua menina que também gosta de “hip hop”. O padrinho sorri e diz que sim, que vai voltar.

Mancha Negra organiza jantar solidário

Sob um dos acessos à cidade, junto à avenida Fernão de Magalhães, longe das luzes que dão vida à cidade, vários caixotes improvisam a casa de um ou dois sem-abrigo. Não está ninguém, mas é comum pernoitarem por ali. Estão bem perto de nós, como em tantos outros sítios. Lugares que fazem parte do quotidiano de tantos e onde se escondem rostos que deambulam sobre o mesmo chão que lhes serve de cama. Eles existem, embora muitos prefiram continuar a ignorá-los. Há, no entanto, quem esteja disposto a ajudar: ontem à noite, a Mancha Negra organizou pelo segundo ano consecutivo, um jantar de solidariedade destinado a alguns sem-abrigo da cidade de Coimbra. Com a ajuda da associação Integrar, mais de três dezenas de sem-abrigo juntaram-se na sede da claque academista para uma refeição quente.

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