A propósito de um incêndio (parte II)

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Norberto Canha

No último artigo recordei o desastre de Alcafache e a intervenção dos HUC onde eu era diretor. A propósito deste sinistro, vieram-me à memória outros incêndios que vivi ao longo da minha vida e que me levam a tirar algumas importantes conclusões. O primeiro tinha menos de sete anos, e um outro que lembro já tinha entrado nos enta.

O primeiro passou na minha aldeia. Acordo de noite, pelo ruído das pessoas a falar, tinha o sono mais pesado que agora, não ouvi o tocar dos sinos a rebate. Deparo com um dos três palheiros, o do centro a arder em chamas. O meu pai e o ti Carroncho com um machado nas mãos a cortar as traves que se apoiavam nas paredes dos palheiros vizinhos. Um cordão humano com cântaros, que passavam de mão em mão até às mãos dos aflitos que estavam sobre as paredes e os despejavam sobre as chamas. A cobertura cede, mais água, mais água e apaga-se o incêndio.

O que é que se tinha passado. Seria uma noite fria de Inverno, um pobre, não da terra, mas de passagem foi pedir esmola à minha avó, que lhe teria dado entre outras coisas, umas batatas, umas couves, um naco de carne, que a panela já ele trazia. Onde dormir? No palheiro que estava repleto de feno e palha. Um descuido, uma imprevidência – ou uma fagulha – e eis o incêndio.

Conta-me o Francisco Falcão – valeu-se porque passou lá parte da sua infância, já que a mãe, D. Aurora, era a professora régia – que em determinado momento, e apagado o fogo, queriam dar uma coça ao imprevidente mendigo. O meu pai corre para um carro de bois, arranca rapidamente, põe-se com ele, à frente do mendigo e diz: – quem avançar furo-lhe o bandulho. Ninguém avançou e o mendigo foi em paz e como teria perdido a refeição só não teria comido em nossa casa se não quisesse. Se se estivesse à espera dos bombeiros que não havia, até a igreja que está na vizinhança teria ardido.

Já nos enta – um outro incêndio no campo da minha freguesia. Um ainda conseguiu salvar a sua horta e têm socorrido mais ter-se-ia salvo a serra. Vêm os carros a apitar, as sirenes a tocar, chegam os bombeiros. Nada apagam. Só oiço aqui, como vão parar aí o incêndio – está em tal parte. O vento sopra de nascente para poente, tudo a arder. Ninguém apaga nada. Resiste na serra um sobreiro já centenário, que também acaba por morrer. As chamas apagou-as a estrada, que é larga e asfaltada.

Um outro incêndio vem-me à memória. Neste ardeu–me tudo o que tinha na serra de Senhor da Serra. Foi criminoso como os outros, foram lá encontradas velas que indiciavam que fora criminoso o incêndio.

Vêm rapidamente os bombeiros. A população na expectativa, não fazia nada, já nem sabe fazer.

Vem um helicóptero com o cesto da água. Anda às voltas e não pergunta a ninguém porque não aterrou. Eu tinha uma charca, abundante de água. Depois de tanto voltear, vai à barragem que ficava a 7 ou 8 km dali. Dá meia dúzia de voltas e há falta de combustível, anoitece… Arde tudo. Nem a estrada bloqueia as chamas, pois que as pinhas dos sobreiros impulsionadas pelo calor e o vento atravessaram a estrada e incendeiam do lado de lá tudo o que queria arder, até o fogo se extinguir.

Ilações a tirar destas divagações:

– Há que mandar e decidir.

– Há que a justiça ser rápida e implacável para com os incendiários das florestas e da sociedade.

– Há que restabelecer a autoridade do Estado, o seu financiamento e apuramento das responsabilidades.

– Há que praticar um preço justo nos produtos agrícolas que incentivem o regresso à agricultura. A situação vigente resulta duma concorrência desleal.

– É preferível decidir menos bem e rapidamente, do que muito bem e tardiamente!

– Decidir é ter experiência do aprendido e ter sabido obedecer. Um curso é uma mais-valia, mas não é garantia de ter e merecer um emprego.

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