“Justifica-se claramente a existência de um serviço público de televisão”

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Foto Gonçalo Manuel Martins

Coimbra tem sido maltratada pelo poder central?

Concordo que Coimbra tem sido maltratada pelo poder central. Mas antes de fazermos as críticas a Lisboa, e às forças centrípetas do Terreiro do Paço, que de facto existem, temos que olhar primeiro para nós e para aquilo que não sabemos fazer. Há 25 anos que Coimbra dorme um sono muito profundo e vive numa certa letargia. Penso que Coimbra tem agora uma oportunidade única e, ou acorda desse sono profundo, ou morre. A Coimbra de Pedro e Inês é, igualmente, a história da “Bela Adormecida”. Não aceito e incomoda-me o pensar pequeno e a falta de ambição para com a minha cidade. Coimbra precisa de coragem, confiança, autoestima e estratégia para o futuro. É imperativo rasgar horizontes e posicionar a cidade pela excelência e qualidade de vida. É tempo de voltar a conjugar os verbos ousar e sonhar… Coimbra e quem cá vive merecem-no, e a região Centro só tem a ganhar.

O que falta para Coimbra se impor?

Falta a Coimbra uma coisa que é fundamental, a autoestima enquanto cidade, uma certa autoconfiança, que tem sido muitíssimo abalada. Falta-nos a afirmação firme de cidade, falta-nos o bairrismo que, por exemplo, tem o Porto. Acho que as pessoas que lideram a cidade se têm demitido muito das suas responsabilidades e a falta de protagonistas é um problema em Coimbra. Os bons não estão hoje ao serviço da cidade e, nos últimos anos, começou a notar-se a saída dessas pessoas da vida pública e a sua falta sente-se cada vez mais. Como cidadão, digo que faltam referências e, curiosamente, não falta massa crítica na cidade. E nós, jornalistas, órgãos de comunicação social, incluindo as televisões, e não estou a falar só da RTP, temos dado uma excelente imagem de Coimbra aos portugueses, aí não pode haver queixas.

Mas falta a coesão regional?

Sim, Coimbra é apenas a ponta do iceberg. Coimbra devia ser a bandeira de toda a região Centro, tem todas as condições para isso. Algumas cidades vizinhas talvez não o queiram porque, por vezes, há uma certa arrogância por parte de Coimbra. Coimbra é naturalmente a capital do Centro e creio que isso não será posto em causa por nenhuma das outras cidades, mas dependerá da forma como Coimbra se afirma no panorama regional. Temos uma liderança natural, mas temos que a saber assumir, construir no dia a dia. Se os protagonistas aparecerem e souberem ter uma nova linguagem, uma nova filosofia, uma nova estratégia para a região, tenho a certeza que será coroada de êxito e Coimbra só poderá ganhar com isso.

Mas Coimbra já se distingue no país em algumas áreas?

A cidade deve apostar em algumas áreas e não é só na saúde, embora a saúde seja por natureza uma das suas marcas identitárias, está no ADN da cidade. Temos um hospital de excelência, temos médicos que procuram ser extraordinários naquilo que fazem e são, a saúde é de facto um cluster que devemos desenvolver, mas não podemos ficar só por aí. Temos algumas das melhores empresas da área das novas tecnologias, que são das melhores não só a nível nacional, mas a nível mundial. Se fosse chamado a outras funções, que não estas, chamaria de imediato essas pessoas que estão nessas empresas, chamaria esses jovens criativos para ajudarem a cidade onde estudaram e onde estão a crescer enquanto empresas. Esse know how que existe, e que para muitos é desconhecido, pode ser o grande capital futuro da cidade de Coimbra. Vim para Coimbra em 1981 e não fosse a ação da iniciativa privada, a cidade estaria muito próxima do que estava na altura. Não existiu nos últimos anos um projeto estruturante para a cidade. O único que o poderia ser, o metro, não vai existir.

A Universidade de Coimbra tem sido vítima também dessa letargia?

A história da universidade corre paralela à história da cidade. Mas a universidade, tal como a cidade, também tem que fazer alguma coisa. Antes de apontarmos baterias a razões exógenas, temos que olhar primeiro para nós, ver o que não fazemos. A Universidade de Coimbra deixou-se afunilar num certo regionalismo. É verdade que a criação de universidades em várias cidades, e algumas muito dinâmicas, contribuiu para isso, mas não só. Sou professor na Faculdade de Letras há cerca de 15 anos e tenho saudades do tempo em que os alunos vinham de todo o país. Ainda continuam a vir alguns, mas são cada vez mais da região. Faltou dinamismo nos últimos anos, sobretudo na atração de novos públicos. A Universidade de Coimbra continua a não saber comunicar, continua muito fechada dentro da Porta Férrea e a não saber transmitir uma imagem de excelência que de facto temos. Dou o exemplo da Universidade de Aveiro, sem entrar em comparações qualitativas, que não posso, não devo e nem sei fazer. Mas a Universidade de Aveiro conseguiu vender uma imagem de ousadia e de modernidade que a Universidade de Coimbra não soube fazer nos últimos anos. Continuamos sentados na cátedra, na tradição dos 700 anos.

A Universidade de Coimbra criou o primeiro curso de jornalismo do país.

De que eu sou um produto, fui dos primeiros a licenciar-me em jornalismo na Universidade de Coimbra e fui, depois, convidado para dar aulas no curso. O perfil dos alunos do curso tem sido muito constante e grande parte dos alunos que chegam ao curso de jornalismo vêm com o sonho de fazer televisão. Depois, dado o estado em que está o mercado, acabam por se desiludir um bocadinho. Chegam com os olhos muito brilhantes, cheios de expetativas e, ao longo dos anos, vão percebendo as dificuldades do mercado.

Quais são as mais-valias de um jornalista formado na Universidade de Coimbra?

Uma das mais-valias do curso de jornalismo em Coimbra é a componente prática que hoje ainda existe. Por exemplo, na cadeira que leciono, Princípios e Práticas de Jornalismo Televisivo, procuro ensinar os meus alunos a refletirem sobre o jornalismo, a terem uma visão crítica sobre jornalismo, sobre a televisão, aqueles ecrãs que nos dão vida lá para casa, porque isso é importantíssimo. Não devemos ter apenas uma visão sedentária, de receção pura e dura, sem sentido crítico. Ou seja, procuro que estejam preparados para o mercado de trabalho, que saibam fazer televisão, pelo menos com os instrumentos mais básicos, e que, sobretudo, tenham um sentido crítico, que é muito importante no jornalista.

Porque vão encontrar um mercado de trabalho saturado?

É um mercado de trabalho muito, muito difícil. Mas sei uma coisa: o jornalismo é cada vez mais um saber eclético e quem dominar as ferramentas essenciais de contar histórias terá mais apetências, ou seja, o audiovisual é cada vez mais audiovisual e quem souber fazer rádio, televisão e dominar as ferramentas web tem mais possibilidades. Hoje, temos que saber fazer um pouco de tudo e é isso que procuro que os meus alunos saibam, televisão, rádio e um pouco de imprensa escrita.

Onde começou a carreira de jornalista?

Entrei na Faculdade em Direito e queria seguir a carreira diplomática. Mas a Associação Académica de Coimbra, que é uma grande escola, paralela à universidade, levou-me a entrar para a Rádio Universidade de Coimbra, que então era ainda o Centro Experimental de Rádio, e fez com descobrisse aquela que é a vocação da minha vida, que é comunicar. Ou seja, deixei a diplomacia para outras pessoas, que a fariam melhor que eu, e o facto de ter estado no Centro Experimental de Rádio, de ter sido fundador da RUC, levou-me para o jornalismo e fez com que mudasse de curso. Deixei o Direito, já no quarto ano, e fui para o curso de jornalismo. Quando estava na RUC convidaram-me para a RDP Centro, em 1988, e a partir daí estive durante 10 anos em simultâneo na RDP e na SIC. Em 2003, convidaram-me para diretor da RDP em Coimbra, para deixar a SIC e começar a trabalhar para a RTP. No ano seguinte fui para a direção de informação da RTP, onde estou desde essa altura e sou subdiretor nacional de informação da RTP há sete anos.

Como jornalista trabalhou em várias cidades?

Estive no Porto, como diretor da RTP Porto, durante 18 meses. No Porto aprendi uma coisa muito interessante, que aquelas pessoas têm de facto aquele bairrismo que lhe reconhecemos. Estive também em Lisboa e hoje a minha vida hoje desenrola-se muito entre Coimbra e Lisboa. Mas gosto muito de saber que estou a viver em Coimbra e que o meu ponto de trabalho é nesta cidade, apesar de ter que me deslocar muitas vezes a Lisboa.

Qual é o futuro da televisão?

Creio que a televisão nos vai acompanhar pelo menos nos próximos 50 anos.

No atual formato?

Penso que os canais generalistas podem ter tendência a terminar, passando a existir uma maior especialidade, mais canais temáticos. As pessoas hoje podem programar a sua própria televisão, deixam a gravar os programas que lhe interessam nos diversos canais. Mas, apesar de tudo, aquele ecrã que nos anima – há 57 anos em Portugal – vai continuar durante muitos mais anos a ser a companhia preferida dos portugueses. E não só a companhia. Continuo a acreditar que a maior fatia de informação da população portuguesa, nos próximos anos, ainda vai continuar a ser a partir do ecrã (televisão, internet). Já imensos teóricos anunciaram o fim da televisão, mas ela continua firme, bem viva e a recomendar-se.

Justifica-se a existência de um serviço público de televisão?

Justifica-se claramente a existência de um serviço público de televisão. É preciso que os portugueses tenham uma informação credível, plural, diversificada, regional, que não se mova única e simplesmente por interesses economicistas. Se, de repente, deixarmos de ter uma informação de serviço público, iríamos ter uma informação que amanhã poderia deixar de ser informação por causa dos interesses económicos que estão naturalmente por detrás dos players privados. A garantia de pluralidade, de isenção, de proximidade, no sentido regional do termo, só pode ser feita através de um bom serviço público de televisão e de rádio.

Em que modelo?

A RTP tem dado um grande espaço à proximidade com as pessoas, aos seus anseios, aos seus problemas, às coisas boas que fazemos no país. Dou um exemplo que é irrebatível. Coordeno diretamente um programa que é de verdadeiro serviço público, o Portugal em Direto. É um programa de final de tarde, das 18 às 19, com um acesso ao prime time, muito visto, e que hoje é um dos baluartes do serviço público da RTP, um pilar essencial na arquitetura da informação da RTP, e que tem como objetivo mostrar aos portugueses o que de bom temos no país. Não temos informação negativa, temos sobretudo informação positiva. Vamos desde a mais recôndita aldeia, o mais pequeno lugar do país, até à maior cidade, de norte a sul do país, da fronteira até ao mar, e este é um exemplo do que é o serviço público, mostrar o país que somos. Não há nenhum canal privado que tenha um programa destes, porque ali a informação negativa é que vende. E é muito reconfortante saber que os portugueses também estão com a RTP e que de há sete anos para cá a informação preferida dos portugueses é a RTP. Este é o nosso grande objetivo, o nosso regozijo diário, saber que os portugueses estão connosco. Não é por acaso que o nosso slogan é “Informação de Confiança”. Continuamos a ser uma marca de confiança para os portugueses e, enquanto for assim, justifica-se completamente o serviço público de televisão.

Que comentário faz acerca do recente relatório sobre o serviço público elaborado pelo grupo de trabalho nomeado pelo Governo?

Não faço comentários. O diretor de informação da RTP já fez os comentários que havia a fazer sobre o relatório desse grupo de trabalho.

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