Álvaro dos Santos Amaro
O contexto internacional não é, hoje, favorável ao crescimento da economia portuguesa e ao desenvolvimento interno e condiciona fortemente o percurso de consolidação do estado social que caracterizou os últimos anos do país.
Estas circunstâncias, com que convivemos, exigem opções políticas rigorosas e firmes e a sua aplicação equilibrada, ponderada e com sentido de justiça, sob pena de distorcermos, ainda mais, os desequilíbrios inter-regionais, sociais e de cidadania, alimentando a contestação, porventura legítima, dos que mais são penalizados pela dureza da contenção e dos sacrifícios.
Estes princípios determinam que ninguém – cidadãos, instituições políticas, empresas, organizações sociais – se possa furtar a partilhar o desígnio comum de inverter a tendência depressiva, do mesmo modo que sempre reclamaram parte dos benefícios do sucesso económico.
Portugal está perante um forte desafio de coesão social e política, de que os episódios da dívida da Madeira podem constituir factor de ponderação. Mas o frenesim instalado (como se as circunstâncias de facto tivessem espantado e apanhado desprevenidos os responsáveis políticos – ingénuos e puros –) tem de traduzir responsabilidade e o tal sentido de justiça.
Transformar o tratamento da dívida da Madeira num caso exemplar pode ser o pior caminho para alcançar a autoridade do Estado e para cumprir o sentido de justiça. Até porque teríamos de invocar a necessidade de muitos “casos exemplares”, tantas e tamanhas são as perplexidades que a democracia, o estado de direito e a ação política têm gerado nos portugueses ao longo dos anos.
Que o caso é censurável, não há dúvida. Que deve ser “atacado” de imediato, como muito bem fez o ministro das Finanças e o primeiro–ministro, para que não haja efeitos de salpico na imagem do todo nacional, em particular depois do esforço que está a ser feito, também não restam dúvidas.
Mas daí a querer-se fazer do caso o tal mau exemplo jamais visto em Portugal… etc., etc., isso é que já me parece exagerado, desde logo porque tamanha amplificação parece querer branquear o passado recente.
A responsabilidade pela criação de dívida pública fora dos limites razoáveis não é exclusiva da Madeira e não é de excluir que a opinião pública seja confrontada com novos factos e circunstâncias noutras instâncias.
A ocultação das contas públicas também não é exclusiva daquela região autónoma e daqueles dirigentes políticos. Bem nos está na memória a manipulação do nível da dívida (a tal que foi projectada) por altura da entrada em funções do governo Guterres ou o engano generalizado dos eleitores sobre a situação financeira do país que permitiu a José Sócrates vencer as eleições de 2009 na disputa com quem alertava para a gravidade dos índices reais da economia portuguesa e sempre apresentada como arauto catastrofista – Manuela Ferreira Leite.
O que se passou na Madeira é mau em si mesmo, mas o que se passou nos seis anos de socialismo no continente é seguramente bem pior.