O discurso de Bento XVI no Parlamento alemão

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Manuel Augusto Rodrigues

Tomando como tema “A missão dos políticos é servir a justiça”, o papa Ratzinger recordou as palavras bíblicas em que se fala do jovem rei Salomão, por ocasião da sua entronização. Deus concedeu que ele propusesse um pedido. Que coisa pedirá o jovem soberano neste momento importante? Sucesso, riqueza, uma vida longa, a eliminação dos inimigos? Nada disto ele pede. Pedia pelo contrário o seguinte: concede ao teu servo um coração dócil, para que saiba fazer justiça ao teu povo e saiba distinguir o bem do mal.

Em sinal de protesto cerca de uma centena de deputados num total de 620 renunciou a estar presente na sala parlamentar para ouvir o pontífice. Um deputado do SPD falou de um papa que despreza os direitos dos trabalhadores, das mulheres e a autodeterminação sexual.

O texto de Bento XVI oferece uma reflexão dos fundamentos do direito e da política, propondo um apelo que lhe é caro: um apelo racional a não fechar a Deus as portas das sociedades contemporâneas. Já em 24 de Julho se referira ao pedido de Salomão, convidando os crentes a reflectirem sobre um coração dócil. Como disse: «Cada um de nós tem uma consciência para ser num certo sentido “rei”, isto é para exercitar a grande dignidade humana de agir segundo a recta consciência realizando o bem e evitando o mal.

Desta vez, a mensagem papal foi dirigida especificamente aos políticos, a quem compete legislar e assim criar os fundamentos da vida dos homens em comum. O critério último não pode ser apenas o sucesso pessoal, mas sim o empenho pela justiça e por isso criar as condições de fundo que garantam a paz.

Dizia Santo Agostinho: «Retira o direito – e então que coisa distingue o Estado de um grande bando de malfeitores?». Os alemães conheceram bem tal situação no período nazi e muitos foram os que desafiaram abertamente as leis injustas, mesmo com o risco da própria via. No tempo de Hitler era fácil separar o verdadeiro direito do direito aparente. Hoje a situação é mais complexa. Nas sociedades democráticas, normalmente basta o critério da maioria, mas nem sempre tal é suficiente, sobretudo quando estão em jogo a dignidade do homem e da humanidade que a recta consciência através da qual Deus fala esclarece e ilumina o espírito.

Segundo Bento XVI, a proposta cristã é diferente: não se pode subordinar cegamente a Deus as leis e a sociedade; deve descobrir-se o acordo profundo do que dizem a razão e o direito com a palavra de Deus. Afirmou: «Desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia surgiu o caminho que através da Idade Média conduziu ao Iluminismo, à Declaração dos Direitos Humanos e à Lei Fundamental Alemã de 1949, que reconheceu os invioláveis direitos do homem como fundamento de qualquer comunidade humana, da paz e da justiça no mundo».

Mas hoje, para o papa, a Europa encontra-se perante um desafio: não deixar que a razão se considere auto-suficiente, recusando tudo o que não é “funcional” e falsificável, e fechando-se como um edifício de “cimento armado sem janelas. O apelo do papa é este: «Torna-se necessário voltar a escancarar as janelas, devemos ver de novo a vastidão do mundo, o céu e a terra e usar tudo isto de forma justa». Equivale a dizer que se deve permitir à razão que encontre a sua grandeza sem descair no irracional. Bento XVI falou largamente da concepção positivista de natureza e de razão referindo-se à tese de Hans Kelsen. Afirmou a certa altura: «Onde a razão positivista se apresenta como a única cultura, relegando todas as outras realidades culturais para um estado de sub-cultura, então o homem fica diminuído e a sua humanidade é ameaçada».

O movimento ecologista é um exemplo desta abertura, mas o desafio consiste em dar um passo em frente: não esquecer a ecologia do homem: a consciência de que o homem possui uma natureza que deve respeitar e que não pode manipular a seu belo prazer. A história da Europa e da sua cultura podem ajudar esta redescoberta: foi na convicção da existência de Deus criador que se desenvolveram a ideia dos direitos humanos, a ideia da igualdade de todos os homens perante a lei, o conhecimento da inviolabilidade da dignidade da pessoa humana e a consciência da responsabilidade dos homens para o seu agir.

«Este conhecimento da razão, concluiu o papa, constitui a nossa memória cultural. Ignorá-la ou considerá-la como mero passado seria uma amputação da nossa cultura no seu conjunto e privá-la-ia da sua integridade». O papa teve depois um encontro com os representantes da Comunidade Hebraica e oficiou a Eucaristia no Estádio Olímpico de Berlim.

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