Francisco Queirós
Nunca tanto se combateu a gordura. Preocupações crescentes com o bem-estar e a saúde, mas também ditames da estética. Há que eliminar as gorduras do Estado – dizem.
E vai daí, pomo-nos todos a pensar que se vai acabar com o desperdício, as frotas de automóveis de alta gama ao serviço de institutos e serviços públicos, as despesas supérfluas de vário tipo, assessorias, comissões ou missões desnecessárias, com os “jobs for the boys”, as mordomias, as ineficiências, a redundância de serviços, serviços sem sentido ou coisa que o valha.
Afinal, seria o que está a mais, custa caro e não serve para nada. E há, sem dúvida, no Estado ou em empresas. No Estado, para satisfação de clientelas. A rapaziada que apoia precisa de ser apoiada – é o lema caro a muitos baronetes que vão governando o país. Nem mais.
Mas afinal o que são as gorduras? Leiam-se os dicionários: “As gorduras, produzidas por processos orgânicos tanto por vegetais como por animais, consistem num grande grupo de compostos geralmente solúveis em solventes orgânicos e insolúveis em água.” Pois parece que há gorduras solúveis e gorduras insolúveis. Que gorduras estão a ser eliminadas? Os salários dos trabalhadores. As prestações sociais que têm afastado da pobreza extrema muitos e muitos milhares de portugueses.
O abono de família era muito gordo, tal como os subsídios de desemprego, o rendimento social de inserção e outros. Gorduras são as verbas necessárias para as escolas que graças aos cortes colossais no orçamento da educação vão ter de trabalhar ao frio e às escuras. As gorduras são as verbas da acção social escolar, com muitos alunos a deixarem de estudar, à medida que o Estado emagrece.
As gorduras são os montantes necessários para o funcionamento de hospitais e de todo o serviço nacional de saúde. Gordos são os enfermeiros que o Estado não pode contratar e que fazem falta aos hospitais. E que de tão gordos e escassos contribuem por ausência para o agravamento atroz das condições de prestação de cuidados de saúde.
As gorduras são as verbas que as Universidades viram desaparecer e agora ainda há quem queira transformá-las em fundações. Talvez, contra a gordura, se entregue a Torre da Universidade ao homem da cortiça e a Via Latina ao senhor dos hipermercados ou a outro senhor da banca! Gordo é o Estado enquanto Estado Social! O Estado é gordo quando serve os mais carenciados, quando paga salários. Só assim. A gordura afinal está no osso!
Que estranho conceito de gordura! Em nome da lipoaspiração, quebram-se os ossos, fractura-se a coluna. Em nome do combate ao desperdício, deita-se fora o menino e guarda-se a água suja do banho. O menino dá-se de presente a “gordos” negociantes, a água suja fica para as lavagens dos mais pobres.
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