Lucílio Carvalheiro
Poder-se-há dizer que o que tenho em mente é a eliminação de ambiguidades com palavras como democracia, liberdade, deveres, direitos. É que o cidadão-comum só admite, para parecer politicamente correcto, para parecer bem (in)formado, que os termos usados o sejam incorrectamente quando em jogo o seu interesse particular. Por outras palavras: por talvez não sentirem em que consiste a actividade política não suscitam a sua acção criadora, têm esta por inútil ou ridícula, quando não se lhe opõem – é recorrente ouvirem-se comentários depreciativos sobre os políticos em geral, o que, convenhamos, é intolerável por consistir no maior atentado ao regime democrático. E assim fica em jogo a identidade da nossa sociedade no plano cultural como político, no económico como sociológico – ressente-se o País, como Nação, como Estado.
E a pergunta, em que tudo o mais se concentra e se resume, parece ser esta: encontra-se o Governo de Coligação PSD/CDS ameaçado? Com certeza. Tendo em conta que aos partidos que o compõem desapareceu o conforto da oposição, desvaneceu-se a facilidade das políticas lineares e nítidas que tanto apregoaram, atenuaram-se as grandes ameaças então definidas, aumentam os riscos imprevisíveis; completo retorno às realidades globalizadas (crise internacional) se revelam.
Por outro lado, de momento o Partido Socialista está brando, discreto, fazendo ou parecendo fazer o jogo de rotina do Governo de Coligação PSD/CDS, bom aluno da troika (FMI, EU, BCE); mas depois do seu Congresso, em Setembro, terá sua palavra a dizer; e essa palavra será direccionada para a reconquista do poder, da sua autonomia política, de total independência política em relação à troika, óbviamente respeitando o aspecto material do memorando que subscreveu.
Perante este quadro político, porventura com um travo de exagero, interrogo se Democracia, Liberdade, Deveres, Direitos, poderão ser considerados como algo de estranho e de abstruso que lidam com aqueles mistérios da “governança” de que trata a privatização do BPN, das nomeações para a Caixa Geral de Depósitos, das fugas de informação do SIS que obstaculizou a posse de um Secretário de Estado anunciado? A resposta só pode ser uma: não, não pode.
Quero com tudo significar que em Democracia temos Liberdade, temos Deveres e temos o Direito de elaborar a nossa própria interpretação dos factos políticos, como também o Dever de o fazer, pois há realmente uma necessidade premente de valorizar a acção criadora da política, encontrando assim um substrato cívico de participação activa.
E tudo no sentido de nos concentrarmos na autoridade de um Estado Democrático que teremos de refazer; porque o que está em causa é o desatavio político; porque o que está em causa são as rivalidades partidárias, cada vez mais com carácter clubista; porque o que está em causa, principalmente e acima de tudo, é a tensão social que não se vê mas já se sente.