Sou a favor da agregação de freguesias desde que não haja perda de identidade

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Foto Carlos Jorge Monteiro

Quem é Armando Vieira?

Sou um cidadão de Oliveirinha, nascido na freguesia da Glória, na cidade de Aveiro. Já tenho 63 anos e sou autarca, depois de muitas coisas que fiz na vida. Já trabalhei no campo, já fui estudante à noite, já fui militar – integrei a célebre Operação Nó Górdio, do general Kaulza de Arriaga, em Moçambique, onde integrei uma unidade que foi testa de ponta da operação. Trabalhei numa grande empresa, que tinha na altura 1.200 funcionários, e estabeleci-me como industrial, no ramo da pré-fabricação pesada, para a construção civil, e numa outra, de madeiras exóticas. Politicamente, sou do PSD desde a primeira hora, na implantação do partido. Fui deputado, sou membro do Conselho da Europa, sou Medalha de Prata do Município de Aveiro e presidente da ANAFRE, em terceiro mandato. Integrei, desde o início, a assembleia da minha freguesia, Oliveirinha, de que sou presidente da junta há cerca de 26 anos, sempre com vitórias por maioria absoluta.

Que balanço faz dos três mandatos que leva como presidente da ANAFRE?

É muito agradável e gratificante, enquanto desafio, mas é também muito exigente, dado o tempo e a disponibilidade que são precisos para o exercício de uma função que é desenvolvida sem remuneração.

Concorda com a limitação de mandatos?

A ANAFRE, que é parceiro social, foi chamada a pronunciar-se, institucionalmente, sobre esse projeto de Lei, e emitiu parecer favorável, mas com um reparo: aceitávamos a limitação, mas entendíamos que deveria ser extensível a todos os cargos de eleição, nomeadamente aos deputados da Assembleia da República.

Assim não foi…

E eu sou o primeiro a lamentar. E quando me diziam – alguns deputados, que nem sempre conhecem a realidade de uma freguesia – que um eleito de freguesia é um órgão executivo, ao contrário dos deputados, eu respondia sempre: ninguém me queira convencer que qualquer presidente de junta, por maior ou mais importante seja a freguesia, tem algum poder quando comparado com a influência de um deputado que, por exemplo, integre a Comissão de Obras Públicas e pertença ao partido que governe, no momento.

Quanto recebem as freguesias do Orçamento do Estado?

Em termos numéricos, recebemos, através do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), 193 milhões de euros para todas as freguesias do país, incluindo as regiões autónomas. É um valor que resulta da média ponderada de 2,5 por cento de cada um dos impostos arrecadados (IVA, IRS e IRC), com transferência direta, trimestralmente. Para ser rigoroso, os custos com as freguesias situam-se nos 0,108 por cento do Orçamento do Estado.

Como é que essa verba é distribuída?

Em função do território e do número de habitantes. Acontece que a Lei das Finanças Locais, que já teve revisão no nosso tempo, nunca é cumprida. Eu espero, aliás, que este Governo não faça o mesmo que os anteriores – este ano, por exemplo, foram-nos subtraídos cerca de 14 milhões de euros. E, se calhar, para assegurar que não haja uma quebra brutal do FFF, até terão que ser reforçadas algumas rubricas

Quantas freguesias, das 4.259 do país, têm presidentes a tempo inteiro?

Cerca de 430. Os critérios são claros: freguesias com mais de 10.000 eleitores têm o presidente da junta pago pelo OE; freguesias entre os cinco e os 10 mil têm direito a meio tempo. Os gestores são os próprios eleitos. Aliás, na maior freguesia do país, Algueirão-Mem Martins, que tem 120 mil habitantes e 56 mil eleitores, só há uma remuneração paga. O presidente pode é dispor dela e dividi-la em dois meios tempos. Acredite que é uma tarefa ciclópica. Depois, há freguesias que, tendo esse direito, têm autarcas que prescindem do vencimento. Ou seja, o nosso trabalho é, na esmagadora maioria dos casos, em cerca de 90 por cento, de exercício de funções em regime de quase voluntariado ou mesmo de voluntariado puro e duro. Apenas temos o direito a uma subvenção, de pouco mais de 260 euros, para despesas.

Como é a relação dos cidadãos com as freguesias?

Temos um estudo científico, de uma equipa académica de grande nível, que avaliou, em todo o território nacional, duas situações: qual o valor que os cidadãos atribuem às freguesias e qual a relação custo/benefício do trabalho das freguesias. Quero dizer que 85 por cento dos cidadãos consideram “muito importante” a existência das freguesias. E o custo/benefício é de um para quatro, ou seja, cada euro, dos nossos impostos, que a freguesia investe resulta num retorno de quatro euros, para a comunidade, em serviços.

É por isso que diz que é um desempenho imbatível?

Entre todos os níveis da administração pública, não tenho qualquer dúvida. Veja que os recursos são tão poucos, em sede de FFF, que acontece frequentemente que os autarcas nem sequer recebem essa subvenção. Nós temos um elevado espírito de missão, que leva a que, frequentemente, sejamos prejudicados nas nossas vidas familiares, sociais e económicas. Mas, por amor à causa e à terra, resolvemos um enorme conjunto de situações que são incompreensíveis para a esmagadora maioria da classe política. Eu costumo dizer que não é por sermos melhores gestores mas porque, frequentemente, somos melhores gestores, porque muitos de nós temos uma riqueza enorme de todas as profissões, desde médicos, engenheiros, donas de casa, professores, agricultores, empresários do comércio e da indústria… enfim, gente que, na sua vida, já sabe gerir recursos muito melhor do que outras pessoas.

A ligação aos cidadãos não é, com certeza, igual na cidade ou no campo?

É óbvio que, como costumo dizer, não é a mesma coisa a freguesia dos Mártires, na Baixa/Chiado, em Lisboa, com os seus cerca de 400 eleitores, e a de Cabeça Boa, no concelho de Torre de Moncorvo, distrito de Bragança, que tem 430 eleitores mas que está, na montanha, a 22 quilómetros da sede de concelho. Esta freguesia é importantíssima, para a sua população. Aquela, em Lisboa, não tem a mesma relevância. É dentro deste princípio o trabalho que a ANAFRE tem vindo a fazer, ou seja, de que nunca por nunca poderemos aplicar régua e esquadro para a reorganização do território. Tem que ser caso a caso, como eu penso que este secretário de Estado também subscreve, tal como o tinha aceite já o anterior e até o dr. António Costa, quando era ministro da Administração Interna.

Como avalia o processo, em curso, de reforma de organização político-administrativa do território?

Eu não conheço os critérios que o Governo vai considerar. Estou convicto que não vai ser, mas tenho de dizer que, se fosse apenas com base num critério demográfico, poderíamos estar a provocar um terramoto e, uma vez mais, o Interior seria o mais prejudicado. Veja que, no distrito de Bragança, 93 por cento das freguesias têm menos de 1.000 eleitores.

Que critérios julga acertados?

A demografia, claro, mas também a geografia e a orografia, as distâncias aos centros urbanos. E depois, um outro conjunto de critérios, uns com aplicação numas zonas e outros noutras zonas. Mas, acima de tudo, o que defendemos é que os processos possam avançar numa lógica de agregação, sem que haja perda de identidade das freguesias.

Como é que é possível agregar sem perder a identidade?

A ANAFRE tem um documento, resultante de um conjunto de debates, que fizemos em fevereiro, em que participaram 2.400 eleitos de freguesia, subordinado ao tema “A reorganização do território”. Desses debates resultaram relatórios, riquíssimos, feitos em cada um dos locais, que depois compilámos num documento a que chamámos “As freguesias na reforma do Estado”. Lá está plasmado, por esmagadora maioria, que somos contra a extinção e fusão de freguesias e que somos também contra a agregação de freguesias, tendo por base o critério economicista.

O que significa isso?

Significa que falar em economizar com as freguesias é um verdadeiro disparate, pois as freguesias são campeãs da economia, ao conseguirem, com muita criatividade e também sacrifícios pessoais, a administração e a multiplicação dos nossos recursos, que são tão escassos, sempre ao serviço das populações, que são os nossos principais destinatários e avaliadores.

Voltando à reforma, o que aceita, então, a ANAFRE?

A ANAFRE terá o seu congresso nacional, em 2 e 3 de dezembro próximos, em Portimão, e veremos o que vai ou não decidir. Mas, pela minha parte, digo que aceitarei este princípio da agregação, com contiguidade territorial, mas sem perda de identidade e nunca por razões economicistas. O que se poupa são minudências, das compensações para despesas dos eleitos. Aliás, penso que não só o FFF a transferir deve ser a soma de todos como deve mesmo ser majorado, para permitir uma gestão melhorada no espaço alargado e criar voluntarismo nas pessoas, para amanhã se virem, até, a fundir voluntariamente. O meu objetivo é sempre a dignificação da instituição freguesia.

Em que plano?

No plano em que é possível dotar a freguesia de escala, de conteúdo funcional, de competências claras e precisas, de recursos adequados e, obviamente, de condições de funcionamento, com um secretariado competente, que responda aos cidadãos de forma qualificada.

Um modelo à imagem do francês?

É verdade que, em França, existem as chamadas “aglo”, comunidades de aglomeração, em que os vários municípios são agregados para terem um conjunto de competências e uma escala maior. Como sabe, os franceses têm milhares de municípios muito pequeninos e nenhum deles perde a sua identidade. Aliás, num exemplo que costumo citar, há em Portugal uma freguesia que só tem 39 eleitores, mas, em França, há um município que só tem dois habitantes e nem por isso a sua identidade desapareceu, precisamente por se considerar que ninguém tem a legitimidade para a eliminar.

Como é que tem gerido, politicamente, este processo no seio do conselho diretivo da ANAFRE?

Nós, na ANAFRE, procuramos despartidarizar a nossa atuação, tanto quanto nos permite a nossa condição humana. Mas, claro que temos gente do PCP na primeira linha, assim como temos gente do PS e do PSD que sabe o que está a fazer. E, no conselho geral, ainda temos mais o CDS. O que digo é que a equipa tem sabido valorizar o que é essencial, que é a associação, em detrimento do que é acessório, que são os partidos. Claro que cada um tem a sua visão, mas nós procuramos compatibilizar as nossas posições. Há debates e discordâncias, aqui e ali desentendimentos, mas penso que temos sabido entender-nos e, desse ponto de vista, dado uma boa lição de convívio democrático.

A última reunião, em Sesimbra, não deve ter sido fácil…

Foi relativamente fácil. Veja que, antes, já o documento de base tinha sido aprovado, pelo conselho diretivo, por unanimidade. Claro que, depois, há sempre divergências ao nível da interpretação deste ou daquele parágrafo, mas isso é natural.

Preocupa-o a sucessão de diferendos entre freguesias vizinhas, relativos à delimitação de fronteiras?

Eu reconheço que há comunidades com rivalidades ancestrais assinaláveis, algumas nem sempre salutares. E isso pode ser um entrave a esta reforma. Quero dizer que nós, na ANAFRE, conhecemos essas realidades. Mas digo também que, na maior parte dos casos, os problemas de acerto de fronteiras não se conseguem resolver por culpa das próprias freguesias, que devem entender-se e, caso tal não seja de todo possível, têm o dever de procurar uma comissão arbitral.

Há disputas que parece só serem movidas pela necessidade de ter mais população para receber mais dinheiro…

É verdade que as áreas e a população residente contam, mas os problemas maiores têm a ver com o sentir das pessoas. E tenho de dizer que, em muitos dos conflitos, os respetivos eleitos não têm em mente o rendimento daí resultante.

Confia no sucesso do acordo com os CTT?

Eu dei tudo quanto tinha para a celebração de um protocolo com os Correios, que temos em vigor há vários anos. E, aí, não houve unanimidade, pois os meus colegas do PCP estiveram contra. Aliás, tivemos reuniões bem duras com o sindicato dos trabalhadores dos Correios. Mas eles acabaram por perceber que nada tínhamos contra eles e a verdade é que nenhum prejuízo resultou do protocolo e houve casos em que os trabalhadores até passaram a trabalhar para a junta de freguesia. Veja que a nossa preocupação foi sempre o bem estar das populações. E posso dizer, com orgulho, que as freguesias garantem 714 postos de correio em todo o país, evitando a que fossem deslocalizados. Agora, estamos a rever o protocolo, numa altura, até, em que a administração dos Correios anuncia lucros significativos. A nossa proposta é do conhecimento deles. Vamos ser firmes, em defesa das freguesias e das pessoas.

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