“Cidade esquisita”

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Massano Cardoso

Há dias a comunicação social de Coimbra noticiou o novo projeto de regulamento destinado a proteger o ambiente e os cidadãos dos cães. Li, mas fiquei acabrunhado, confesso. No fundo, os principais argumentos assentam no perigo para a saúde e segurança dos seres humanos assim como permitir a estes a fruição de espaços lúdicos sem os inconvenientes inerentes às atividades caninas. Para não ser tudo contra os animais, e tudo a favor dos humanos, foi previsto alguns guetos para canídeos a fim de não cercear o “direito” à liberdade dentro do espaço urbano.

Já me perguntaram se os cães podem provocar ou transmitir doenças aos seres humanos; digo que sim, mas, desde que sejam respeitadas algumas regras e condutas, não corremos riscos de maior, nem de perto nem de longe se compararmos com os riscos de doenças que os humanos transmitem entre si ou quando não respeitam comportamentos minimamente saudáveis. Logo, é fácil de concluir que, pelo lado da saúde, o argumento major cai ao primeiro sopro. Quanto à segurança não é muito agradável ser abocanhado, sobretudo pelos mais furiosos e indisciplinados. Falo com conhecimento de causa, porque o meu traseiro foi alvo, em miúdo, da atenção de um atrevidote, e nem falo do susto que uma dia apanhei ao abrir os olhos, estava deitado a gozar as delícias de uma tarde de verão junto à albufeira, quando vi o focinho de um pit bull a roçar o meu nariz. Os donos, franceses, passeavam junto da linha de água e não se aperceberam do desvario do animal.

Tive uma cadela durante mais de dezoito anos. Morreu velhinha. Foi uma fonte de alegrias, de algumas preocupações e protagonista de muitas historietas. O seu papel como elemento integrador e participante na formação dos miúdos foi inquestionável. Os jovens que crescem com os cães tornam-se mais saudáveis e solidários.

As limitações que querem impor aos animais de Coimbra preocupam-me. Reconheço que muitos circulam pela cidade sem cuidado, lançando dejetos a torto e a direito, e andam sem trela, mas a aprovação de certas regras não é compreensível. Se compararmos os efeitos das atividades caninas com as atividades humanas, podemos concluir que muitas das últimas são muito mais graves. A atenção das autoridades do município deve-se centrar nos seres humanos, os quais têm de cumprir com as regras, a bem ou a mal. No caso vertente, os donos de canídeos que não as cumprirem deverão ser punidos exemplarmente, quanto aos respeitadores, os tais, poucos, que limpam os dejetos caninos dos animais, cidadãos exemplares, não posso deixar de testemunhar o meu público apreço, esperando que a cidade disponibilize meios para melhorar a higiene pública.

Para terminar, não resisto a recomendar um livrinho de Louis de Bernières, “O Cão Vermelho”. Li-o em dois simpáticos “latidos”. O livro conta a história do mais famoso cão australiano imortalizado em bronze. A minha cadela, que não tinha as capacidades do Cão Vermelho, nem tendência para as longas viagens e estadias fora de casa, nem protagonizou histórias relevantes, partilhava de algumas características com o famoso “Cão do Noroeste” australiano, lançava uns flatos, intensos e malcheirosos, capazes de intervalar uma guerra, no fundo mais um incómodo do que um problema de saúde pública! Atendendo a que estes animais já deram muito aos seres humanos, e irão continuar a dar, não seria despiciendo se fosse erigido uma pequena estátua, num espaço público (não interdito a canídeos!), como forma de testemunhar o nosso agradecimento e apreço a tão simpático companheiro.

A minha última observação prende-se com certos cidadãos de Coimbra, espero que não sejam muitos, mas que existem, existem; alguns não gostam de árvores, outros não gostam de cães, há os que não gostam de outros seres humanos, mas o mais preocupante são os que não gostam de si próprios.

Coimbra é uma cidade esquisita (em surdina…)!

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