Há outras formas de gerar poupanças sem ser com a extinção de municípios

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Foto Luís Carregã

Que vantagens tem a constituição de comunidades intermunicipais, nomeadamente a do Baixo Mondego?

Somos uma associação de 10 municípios, que foi constituída fundamentalmente para dar resposta a uma intenção do anterior governo, de permitir a contratualização com os municípios, de uma forma organizada, da gestão dos fundos comunitários. Mas a mesma lei que cria as comunidades intermunicipais dá-lhes atribuições e competências semelhantes às dos municípios, ou seja, podiam e podem ser mais do que uma mera ferramenta de gestão de fundos comunitários. E esse é o grande desafio, porque os fundos comunitários são passageiros, mas os municípios e os problemas regionais são duradouros. A grande vantagem das comunidades intermunicipais é permitir responder aos problemas que se põem aos nossos territórios de uma forma coordenada e organizada, permitir dar racionalidade à gestão e aumentar a eficiência da atuação.

Como é que isso se faz?

Pode fazer-se de várias maneiras, mas pode fazer-se em duas áreas. Do lado da despesa, criando mecanismos, procedimentos, que possam gerar poupanças. E, por outro lado, também podem as comunidades desenvolver políticas com muito mais impacto na sociedade, se forem desenvolvidas de forma organizada no âmbito da associação, em vez de serem tomadas individualmente pelos municípios.

A comunidade permite ter uma visão supramunicipal dos problemas e das soluções.

Os municípios têm problemas diferentes, mas de certa forma têm a mesma tipologia de problemas. Continuarão a ter as suas políticas próprias e não é intenção de ninguém, nem da administração central, nem de nós, autarcas, substituir a atuação municipal. Nem queremos que a comunidade intermunicipal seja uma espécie de município grande. O que nós queremos é aproveitar a vantagem desta agregação, desta aglomeração de municípios, para gerar economias de escala na nossa gestão corrente, respondendo de uma forma organizada aos mesmos problemas. Também na gestão de algumas políticas poderemos responder melhor se organizadamente.

Consegue dar alguns exemplos?

Dou-lhe um exemplo de uma coisa que não existe, mas que é muito falada há anos. Tem sido intenção de vários governos que os municípios passem a assegurar a cobrança e a gestão dos impostos municipais. Se esta medida vier a avançar, não faz sentido que cada município crie um serviço novo para assegurar essa cobrança, mas faz sentido que respondamos de uma forma organizada, porque seremos muito mais eficientes. Mas há vários exemplos. Na aquisição de bens e serviços – combustíveis, materiais de construção, consumíveis diversos –, todas as câmaras fazem uma miríade de procedimentos administrativos e negoceiam diretamente com os fornecedores. Os custos destas operações são elevados e é evidente que se fizermos aquisições de bens e serviços por grosso, para os 10 municípios, conseguiremos obter com certeza no mercado condições mais vantajosas e conseguiremos poupanças.

Esta central de compras vai já para o terreno?

Este é um objetivo de gestão da comunidade intermunicipal, o conselho executivo já se pronunciou sobre a mesma, a assembleia intermunicipal irá aprovar o regulamento que enquadra a atuação dessa central de compras, e a partir daí passaremos à contratação dos serviços para a pôr a funcionar. Esta medida vem gerar poupanças muito interessantes, que no caso do Baixo Mondego podem ser muito significativas.

Estas possibilidades que as comunidades intermunicipais permitem são ainda mais importantes neste tempo de contenção económica?

Dei este exemplo por causa disso. Todos os municípios têm estado a fazer esforços muito firmes para conter a sua despesa e reduzir o endividamento. É um esforço que é pedido ao Estado, à sociedade e naturalmente também aos municípios. E os municípios têm respondido bem a isso. Mas há limites para essa contenção de despesa, há mínimos que não conseguimos ultrapassar. Portanto, se isoladamente não conseguimos, temos que descobrir de que forma é que poderemos gerar outras poupanças, de uma forma organizada. Temos que ser mais criativos, deixar alguns modelos do passado, e é esse esforço coletivo de reflexão e trabalho que procuramos fazer a nível da comunidade intermunicipal.

Esse é o desafio, mas os municípios debatem-se atualmente com constrangimentos financeiros. O acordo entre o Estado e a “troika” poderá pôr em causa alguns dos projetos da CIM-BM?

Penso que não. É evidente que se estivéssemos numa fase de maiores recursos financeiros provavelmente seria mais fácil à comunidade lançar outro tipo de projetos. Mas se calhar os municípios não seriam tão sensíveis à necessidade de aglomeração.

Há outras áreas em que as comunidades intermunicipais podem vir a intervir, no futuro?

Existem várias hipóteses. Por exemplo – e esta é uma opinião pessoal, nunca foi discutida na CIM-BM – fala-se muito no fim dos governos civis, como uma medida de poupança e de redução de uma estrutura que, dizem alguns, já não têm muito sentido. Contudo, os governos civis têm funções associadas, nomeadamente ligadas à proteção civil, que são importantes. Eu não vejo nenhuma dificuldade em que essa estrutura na área da proteção civil, que neste momento tem a escala distrital, seja reorganizada a nível das comunidades intermunicipais, porque as funções de planeamento regional têm que continuar a existir. Portanto, se por exemplo este governo levar por diante a extinção dos governos civis, atrevo-me a dizer que as comunidades intermunicipais são uma escala territorial adequada para assegurar algumas das suas funções.

A Comunidade Intermunicipal do Baixo Mondego já tem um trabalho significativo em curso.

Temos cerca de 50 milhões de euros em projetos aprovados, o que já é um número significativo. Estes são os projetos que passaram pela comunidade intermunicipal, porque os municípios tinham acessos diretos a outros programas, todos têm mais financiamentos comunitários. Preocupámo-nos, nesta primeira fase, com a gestão dos fundos comunitários. Tínhamos um envelope financeiro e a preocupação foi que os municípios do Baixo Mondego apresentassem os seus projetos e estes tivessem execução financeira. Essa foi a fase inicial e muito importante da nossa atuação, porque era importante que não perdessemos essa capacidade de executar projetos, fazer obras e beneficiar os territórios. Mas essa fase, de certa forma, está a vencer-se e começamos a lançar outros projetos.

É isso que justifica os novos projetos?

Sim, por isso avançámos com a central de compras, por isso a CIM-BM credenciou-se como uma entidade formadora, que se está a abalançar a um programa de formação profissional para quadros das câmaras municipais. Os municípios, de per si, não têm capacidade para assegurar a formação dos seus quadros e precisamos de uma escala regional para desenvolver esta vertente. E é muito mais fácil serem os municípios a dizerem a formação de que precisam, do que ficar à mercê das entidades formadoras externas, que oferecem aquilo que lhes dá jeito. Isto sem prejuízo de reconhecer o bom trabalho feito pelo CEFA e pela AIRC.

Os municípios têm agora a grande responsabilidade de alcançar a maior taxa de execução possível dos projetos.

Estamos todos sob grande pressão. Penso que no Baixo Mondego a taxa de execução tem sido razoa-velmente boa, quando olhamos para a média nacional. Quando se diz que as execuções são más, temos que lembrar que o QREN arrancou mais tarde que o previsto, os regulamentos não estavam disponíveis no início e a capacidade financeira dos municípios não é a que existia há dois ou três anos atrás, e todos os projetos comunitários têm comparticipação nacional, neste caso, municipal. Cada município per si é que vai ter que definir as prioridades e saber onde é que deve apostar, mas essas prioridades já são muito definidas a nível municipal.

A CIM-BM está também a trabalhar noutras áreas?

Outra área em que estamos a trabalhar é a área do empreendedorismo. Hoje reconhece-se de uma forma geral que o empreendedorismo, a criação de negócios, deve ser incentivada. E também sabemos que para transformar uma ideia em negócio é preciso algo mais. O que se propõe é que nós nos organizemos para criar um modelo coerente, uma metodologia de entendimento a essas solicitações na área do empreendedorismo, da criação de negócios, dando-lhes o encaminhamento para a porta certa, e acompanhando a ideia de negócio nas suas diversas maturações. A comunidade não está a tratar isto sozinha, o IEFP o IAPMEI são nossos parceiros, como se necessário serão as universidades, os politécnicos, mais as associações industriais e comerciais e as empresas individuais.

Fala-se muito na eventual redução do número de freguesias e de municípios. Qual é a perspetiva da comunidade intermunicipal?

É muito difícil falar do que não se conhece. Quando se fala da extinção de municípios fala-se de poupanças. O que tenho defendido é que há outras formas de gerar poupanças, como estas que acabei de dizer, este trabalho associativo, que gera poupanças de valor superior às obtidas pela redução de municípios. Com menos inconvenientes, com menos tensões sociais, com menos custos sociais para os municípios e sem levantar um problema, que é importante para os territórios, que é o da representação política. Não vejo que a extinção de um município pequeno do interior crie poupanças relevantes, porque esses territórios têm que continuar a ser financiados pelo Orçamento de Estado, não podem ser abandonados. Portanto, a poupança que se conseguirá será retirar a representatividade política. Mas os custos sociais da ausência de representatividade política desses territórios também têm que ser contabilizados. Então façamos contas às poupanças induzidas pela associação de municípios e verificamos que gera menos tensões políticas, menos tensões sociais e é mais vantajoso económica e financeiramente trabalhar pela via associativa e não extinguir municípios.

Este trabalho associativo tem sido fácil, com 10 municípios?

É fácil porque assenta em várias constatações. Primeiro, o presidente da CIM-BM é um interpares, não manda, discute e representa. Somos um órgão colegial em que os assuntos são discutidos internamente e se tenta chegar a conclusões por consenso. Depois é fácil porque na verdade os problemas são muito semelhantes de município a município, independentemente da cor partidária ou da sua localização, os problemas são relativamente semelhantes e é a eles que tentamos dar resposta. Terceiro, os presidentes de câmara são pessoas a quem a função induziu uma capacidade de perceber as mudanças políticas e da envolvente, adaptam-se bem, são muito pragmáticos e não perdem muito tempo a teorizar. Teorizam e refletem o necessário e passam à prática. Como são pessoas que querem fazer, é fácil chegarmos a acordo.

Na sua opinião, as comunidades intermunicipais representam um progresso na organização e gestão do território?

Há experiências associativas interessantes, em função de problemas específicos, como as redes no âmbito do PROVERE. Mas com esta escala e com esta preocupação de criar serviços supramunicipais, de dar resposta aos problemas de cada um mas numa escala supramunicipal, aí é uma experiência relativamente inovadora. É aí que temos que aprofundar o nosso trabalho.

Como é que as comunidades intermunicipais se compatibilizam com um eventual projeto de regionalização?

Não existe atualmente nenhum modelo de regionalização, mas mesmo que amanhã haja uma região Centro, com órgãos regionais eleitos, esta escala sub-regional continua a ser importante. Poderá haver vantagens nessa organização regional, mas mais na lógica da otimização dos serviços da administração central. A criação das regiões terá mais efeitos sobre a coordenação, a melhor articulação dos serviços regionais da administração central, do que propriamente sobre a administração municipal. Neste nível a escala correta é esta, das comunidades intermunicipais.

Já afirmou que as comunidades intermunicipais não são um modelo fechado. Admite um eventual crescimento territorial das comunidades?

Não defendo, neste momento, o alargamento ou alteração do modelo das comunidades intermunicipais. Portugal já ensaiou, em anteriores governos, várias tentativas para promover a associação de municípios. Houve vários modelos, as agências de desenvolvimento regional, as áreas metropolitanas, entre outros, e um dos maiores riscos que corremos nestes processos é estar permanentemente a mudar. Se esta experiência das comunidades intermunicipais foi até bem recebida pelos municípios, que estão todos a fazer um esforço de aglomeração e organização, a pior coisa que podíamos fazer é arranjar um novo modelo. Defendo, acima de tudo, que consolidemos o modelo que existe, mesmo em termos territoriais. Isso não invalida que determinados problemas regionais não sejam tratados noutras geometrias.

Geometrias que podem envolver mais do que uma comunidade intermunicipal?

Dou-lhe um exemplo muito teórico. Imagine que a região queria estudar as dinâmicas e mercados de habitação. Não faz sentido estudar esse modelo sem ser numa lógica mais ampla que a comunidade intermunicipal. O nosso principal pólo urbano é Coimbra e as relações de Coimbra não se fazem apenas com o Baixo Mondego, fazem-se por exemplo com a zona do Pinhal, enfim numa esfera muito mais alargada. Aí teríamos que encontrar a geometria adequada para estudar o problema, que pode envolver vários municípios, várias comunidades intermunicipais. Isso já acontece hoje para tratarmos a questão do abastecimento de água, para a qual temos uma outra geometria, com determinados municípios. No tratamento das questões relativas aos resíduos o modelo que está instalado envolve também uma geometria diferente da comunidade intermunicipal do Baixo Mondego. Portanto, não queremos criar pequenos reinos, pequenos condados, em que os problemas sejam apenas resolvidos dentro dessas fronteiras. Os problemas resolvem-se nas escalas e nas fronteiras que tiveram que ser encontradas.

Na sua opinião, e da sua experiência, pode dizer-se que este modelo da associação de municípios é uma via a desenvolver para o futuro?

Penso que não temos grande alternativa. Temos a ganhar se trabalharmos unidos à volta de um programa, há áreas que serão cada vez mais importantes e que nós só trabalharemos com êxito se estivermos unidos, como por exemplo a área da captação de empresas, da promoção dos territórios nos mercados. Não é fácil, se calhar porque fazemos isso à escala municipal. Provavelmente seria mais fácil fazê-lo à escala de uma região com a importância do Baixo Mondego. Haverá outras áreas em que beneficiamos com a existência da comunidade intermunicipal. As teses da CIM-BM têm que ser validadas por todos os presidentes das câmaras, mas penso que todos temos a noção que os municípios têm estruturas pesadas nalgumas áreas e que não faz sentido reproduzir novas estruturas. Por exemplo, a gestão de um serviço. Se formos ver um determinado serviço de um município, verificamos que para desempenhar tarefas do mesmo tipo precisamos de um número alargado de recursos humanos. Contudo, são tarefas repetidas, iguais em todo lado. Ou seja, com as tecnologias disponíveis e com uma equipa muito mais pequena pode fazer-se o mesmo serviço para os 10 municípios. E isso sem pôr em causa a independência e autonomia dos municípios, apenas otimizando os recursos humanos que existem. E este é um caminho que penso que é inevitável. E nesses municípios os recursos humanos que sobrarem são perfeitamente reafetados a outras áreas onde existe carência de pessoal. Com este exemplo genérico quero dizer que há um leque de trabalho muito grande, que pode ser feito e é gerador de poupanças, vantagens e eficiências nas nossas atuações. A atual crise financeira poderá obrigar a que tenhamos mesmo de procurar e aprofundar essas áreas de trabalho entre todos.

 

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