O discurso do não

Spread the love

Francisco Queirós

José Sócrates falou ao país na noite de terça-feira. Veio dizer-nos que não. Não confessou que não era engenheiro. Isso não! Não rejeitou a ingerência da troika. Também não! Não anunciou o fim da crise. Não! Que disse Sócrates? Que não vamos todos morrer à fome. Todos não. Que a Caixa Geral de Depósitos não vai ser privatizada.

E não disse, mas imaginamos que a Polícia de Segurança Pública ou o Exército também não serão. Que não vai haver corte no 13.º mês. Que não nos vão cortar o pescoço ou os dedos todos. Cortarão apenas alguns para grande alívio de todos? Que a hecatombe não nos atingirá. Que não! Que não! Que fiquemos descansados pois…não!

O quê? Lá isso não! José Sócrates não disse que não governava Portugal. Não! Ao contrário da troika. Sócrates não anunciou a privatização da Segurança Social. Não! Nem a privatização de ministérios. Ainda não é agora que veremos a abertura de concursos internacionais para a concessão do Ministério das Finanças ou do da Defesa Nacional. Ainda não. Dir-se-á que nem preciso é, tal o grau de ingerência. Privatizar-se-ão o governo e o ar que respiramos, como denunciava Saramago, mas ainda não! Ainda não. Certo mesmo é que 12 mil milhões estão já garantidos para apoio à banca nacional. Então não? Certo é que vamos ficar todos (todos não!) muito mais pobres, seja pelo aumento do IVA, do IRS ou pela privatização de todas as empresas das quais Sócrates não disse que não.

O país assistiu ao discurso do não. Que não foi um não-discurso. Isso também não! Não sei (também tenho direito a um nãozinho!) se Sócrates gozou connosco ou não. Que aquilo não se faz, digo eu. Embora entenda a coerência. Que discurso pode ter um primeiro-ministro de coisa quase nenhuma? Os seus nãos são a constatação da não- Soberania Nacional.

Os seus nãos fazem parte da estratégia pacóvia a que certos políticos têm recorrido. Noam Chomsky, académico e político norte-americano, refere-se às diferentes estratégias de manipulação da opinião pública, desde a distracção da atenção do público dos problemas importantes, à criação de problemas para depois oferecer soluções, à gradação das medidas e também à estratégia do deferimento que consiste em apresentar uma medida como estritamente necessária e desse modo num futuro breve conseguir a sua aceitação. E se a medida for dramatizada, depois a sua aplicação em versão mais suave cria a sensação de alívio. “Diziam que nos cortavam as mãos e só nos vão arrancar dois dedos. Que alívio! Demos graças aos senhores por tanta bondade!”

Em boa verdade, visto deste modo, o discurso de Sócrates foi o discurso da bondade! Ou será que não?

One Comment

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.