Três mulheres da Guarda estiveram desde 2006 proibidas pela irmã de se aproximarem do túmulo da mãe e de aí rezarem, numa proibição validada pelo tribunal daquela comarca mas agora “corrigida” pela Relação.
A mãe das mulheres envolvidas neste processo faleceu em 2004 e foi enterrada numa sepultura que, dois anos depois, viria a ser comprada por uma das filhas. A partir daí, e invocando o direito de propriedade, a mulher impediu as irmãs não só de colocarem flores e outros objetos no túmulo da mãe, mas também de se aproximarem do respetivo talhão e de aí rezarem.
O caso foi parar a tribunal, tendo a primeira instância validado a proibição imposta pela proprietária, mas as irmãs recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 17 de maio, a que a Lusa teve acesso esta terça-feira (31), invocou o “direito de personalidade” para condenar a dona do talhão a permitir a terceiros o culto da pessoa ali sepultada.
No acórdão, os juízes sublinham que os cemitérios municipais e paroquiais são bens do domínio público, porquanto são objeto de propriedade de uma autarquia local, são destinados à inumação dos cadáveres de todos os indivíduos que falecerem na circunscrição e o acesso a eles é livre.
“Os direitos de personalidade, na sua vertente moral, englobam o direito a manter uma relação espiritual com os familiares falecidos, nomeadamente com os que são próximos, como é o caso dos pais. Essa relação espiritual pode concretizar-se de diversas formas, algumas das quais passam pela proximidade física da sepultura onde o falecido se encontra sepultado, para junto a essa campa, em recolhimento, rezando ou não rezando, se estar com aquele que já não se pode abraçar”, refere ainda o acórdão. Defende que quando houver colisão de um direito de personalidade com um direito de propriedade, o primeiro “prevalece” sobre o segundo, embora de forma não absoluta.
Por tudo isto, a Relação considera que “não se vê com que fundamento” é possível impedir a qualquer pessoa de se aproximar de um talhão onde está uma sepultura e de aí rezar. O tribunal condenou a proprietária a autorizar as irmãs a aproximarem-se da sepultura da mãe e rezarem junto ao local e ainda a colocarem, “de tempos a tempos, designadamente em dias com carga simbólica”, um ramo de flores na campa.
No entanto, e em nome do direito de propriedade, as irmãs não podem colocar lápides ou vasos de flores na sepultura, já que estes são “atos sobre a coisa concessionada”.
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