Estado obrigado a privatizar e a fazer cortes na saúde e nas Forças Armadas

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Foto Mário Cruz/Lusa

Até 2012/13, dezenas de freguesias e concelhos de Portugal vão desaparecer; o Estado vai ter que sair das grandes empresas, vender a TAP e acabar com as “golden share”; 20 por cento das repartições de finanças vão acabar; parte dos hospitais serão alvo de processos de fusão (com dispensa de pessoal dirigente); o mapa judiciário e o funcionamento dos tribunais serão radicalmente alterados e as próprias leis, como a da ação executiva (cobrança de dívidas, penhoras, falências e insolvências) vão mudar.

As consequências do memorando de entendimento assinado entre a “troika” e o Governo, de modo a concretizar a ajuda externa, vão atingir todos os portugueses, não só no seu bolso, como nas suas rotinas, na relação com o Estado e, em milhares de casos, no próprio posto de trabalho, incluindo os funcionários públicos. As Forças Armadas ficam impedidas de fazer qualquer despesa por iniciativa própria e têm de reduzir 10 por cento do pessoal. Pelo menos um por cento dos trabalhadores da administração central e dois por cento da administração local e regional vão ter de desaparecer a cada novo ano.

Na educação, mais mega agrupamentos escolares e redução de pessoal fazem poupar 195 milhões de euros.

Extinção de 1/6 dos cargos dirigentes

Quinze por cento dos cargos dirigentes da administração central, organismos públicos e administração local serão eliminados nos próximos 12 meses.

Nas empresas públicas, os benefícios variáveis (como o cartão de crédito, por exemplo) serão cortados em pelo menos cinco por cento por ano até 2014, enquanto serão alinhadas as práticas salariais com a função pública.

O memorando diz também que, até dezembro, terá de ser publicado um levantamento de todas as entidades públicas, incluindo associações, fundações e outros organismos, em todos os níveis da administração pública, que permitirá ao Governo decidir quais são para encerrar ou manter. Os benefícios e incentivos fiscais serão congelados.

Boaventura Sousa Santos

Na justiça, a “troika” pretende resolver a pendência processual em 24 meses. Dentro de dois meses já se saberá o número de insolvências, dívidas fiscais e processo laborais.

Sobre este tema em concreto, o sociólogo e professor de Coimbra, Boaventura Sousa Santos, não tem dúvida de que “as medidas propostas (ou impostas, certamente), correspondem a muitas iniciativas de reforma que estavam na agenda do Governo e até de governos anteriores”, constata o coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça (OPJ).

“Não há um diagnóstico novo da situação da justiça em Portugal – “nem poderia haver, pois o que existe é consensual”, sublinha o especialista, um dos poucos representantes da sociedade civil que foi expressamente chamado para se reunir com os representantes do FMI e Comissão Europeia.

Na saúde, os custos com o transporte de doentes têm de ser reduzidos em um terço até setembro próximo e haverá cortes financeiros nos meios complementares de diagnóstico. Só nos hospitais, a redução imposta é de 200 milhões em dois anos. Neste quadro, Carlos Braga, do Movimento de Utentes dos Serviços de Saúde, condenou o aumento das taxas moderadoras. Entretanto, os custos com os subsistemas de saúde dos funcionários públicos, militares e polícias serão reduzidos em 30 por cento ao ano, para atingir autonomia financeira em 2016.

Eliminação das “golden share”

No grande capital, o Estado vai ter de abandonar a EDP e a REN até ao final do ano, acompanhando “uma aceleração do programa de privatizações”, incluindo a ANA (aeroportos), TAP, CP Carga, Galp, CTT e Caixa Seguros (grupo CGD). “Estamos esperançados de que as condições de mercado vão permitir a venda destas empresas, bem como da TAP, até ao final do ano”, pode ler-se no memorando.

Os proprietários de habitações vão pagar mais IMI a partir de julho, agravamento compensado por uma baixa do IMT na compra da casa. “Os efeitos da subida do IVA, IRS e IRC em 2011 vão prolongar-se em 2013”.

O acordo prevê também que a lista de bens e serviços sujeitos a taxas reduzidas de IVA seja revista este ano, adiando para o próximo Governo a forma como vai implementar este agravamento. Os impostos sobre os veículos e o tabaco vão aumentar.

O Estado português vai acelerar os prazos para vender o BPN, sem, contudo, ter um preço mínimo e, esperando encontrar um comprador até ao final de julho.

Os bancos portugueses poderão vir a receber 12 mil milhões de euros de ajuda externa, incluídos no pacote de 78 mil milhões de euros que vai ser entregue a Portugal.

Despedimento facilitado

No mundo laboral, o prazo de recebimento do subsídio de desemprego desce para 18 meses e o máximo mensal do subsídio fixa-se nos 1.048,05 euros.

As indemnizações por despedimento a pagar aos trabalhadores que assinem contratos a partir de agora serão correspondentes ao máximo de 12 meses de retribuição.

Perante este quadro, o diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, José Reis, teme que, à medida que vão sendo divulgados os cortes e alterações, possam surgir “baldes de água fria ou cubos de gelo que nos caiam em cima”.

O especialista em finanças públicas considera, no entanto, que os portugueses já interiorizaram que os próximos tempos serão difíceis e que não há margem para facilitismos, o que poderá ajudar a consolidar as finanças.

O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), padre Lino Maia, diz que “a classe média será francamente atingida, se é que ainda há classe média em Portugal”.

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