Quando for grande

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“O que queres ser quando fores grande?” – pergunta sacramental dos mais velhos a todas as crianças. Antes, as crianças respondiam: médico, bombeiro, cabeleireira, polícia ou futebolista.

Hoje, cuidado com a pergunta. Evito-a. Embora mantenha a esperança que se sonhe como nós sonhávamos, temo por um “sei-lá”. Ou: como todos, depois de estudar, voltar a estudar e ainda estudar, em todas as pós-graduações possíveis, pelo menos se e enquanto os pais puderem pagar, depois, vivendo na casa paterna, ganhar algum dinheirito numa qualquer actividade precária, talvez caixa de hipermercado, talvez chato de “call center” e, de precariedade em precariedade, chegar aos 35 e mais anos, e um dia, ao olhar para o espelho começar a perceber que nos aceitam os currículos mas não nos chamam para coisa nenhuma.

“Que parva que eu sou” – cantam os Deolinda. “Sou da geração sem remuneração/ e não me incomoda esta condição./ Que parva que eu sou!” Mas há quem tenha sorte ou jeito. Em tempo de crise, há quem enriqueça. E não se questionam: “O que queres ser quando fores grande?” “Já é uma sorte eu poder estagiar, /Que parva que eu sou! / E fico a pensar, /Que mundo parvo/onde para ser escravo é preciso estudar. / Sou da geração “casinha dos pais”, / se já tenho tudo, pra quê querer mais? / Filhos, marido, estou sempre a adiar/ e ainda me falta o carro pagar”. Os com sorte ou jeito, com a sorte de ter jeito e o jeito de terem tido a sorte de nascerem virados para a lua dirão: “quando for grande quero ter cada vez mais lucros e pagar cada vez menos impostos!” Então, com os pés assentes na terra e conscientes da apregoada crise social, económica, cultural, política, religiosa, sexual, comportamental, familiar, civilizacional, sei lá eu… responderemos que empregos destes não existem. Aliás, já não há empregos. Há actividades temporárias de dedicação permanente e carácter super-intensivo para colaboradores precários, “onde para ser escravo é preciso estudar”. Tudo o mais é fantasia! Lirismo! Ganhar mais e pagar menos impostos!? Onde já se viu! Impossível!

Abro o jornal e leio: “Em período de crise, Bancos aumentam lucros, mas pagam menos impostos”! Já me vai faltando a vista? Terei lido bem? “As quatro maiores instituições bancárias ganharam 3,9 milhões por dia.” Pagaram foi menos cento e sessenta e tal milhões de euros de impostos!

“O que queres ser quando fores grande, meu menino?”

“Ser Banco, senhor!” “E parva não sou! E fico a pensar, / que mundo tão parvo/ onde para ser escravo é preciso estudar.”

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