“O orçamento das universidades está muito dependente do apoio do Estado”

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Foto Carlos Jorge Monteiro

Estudou Direito na Universidade de Coimbra…

Fui para Coimbra em 1958 e foi um período de que guardo recordações extremamente gratas. Foi um momento muito bom da minha vida. Somos novos, ficamos livres. Depois de ter terminado a licenciatura fiquei assistente da Faculdade de Direito até 1964, quando fui fazer o meu serviço militar. Tencionava regressar a Coimbra às minhas funções de assistente e surgiu um convite para trabalhar no Banco Português do Atlântico. Decidi regressar às origens. Era um convite para trabalhar no Porto e eu tive consciência de que como investigador de finanças públicas ou economia política, teria sempre limitações grandes por não ter uma formação matemática sólida que o curso de Direito não proporcionava.

Cursou Direito, mas dedicou-se à gestão bancária. Porquê?

A gestão bancária tem muitos atrativos: é uma profissão que nos estimula a estudar os aspetos gerais da economia. Quem trabalha num grande intermediário financeiro tem que perceber para onde vai o país e para onde vai o mundo. Por outro lado, permite-nos um contacto muito estreito com as empresas e com as famílias e permite-nos perceber, em termos microeconómicos, como o país vai evoluindo e quais as suas condicionantes. A gestão bancária é muito interessante e foi por aí que foi a minha vida.

Como encarou a sua eleição para presidente do Conselho Geral da Universidade de Coimbra (UC)?

Fui convidado para a assembleia estatutária que conduziu à elaboração dos estatutos da Universidade de Coimbra que tinha cinco elementos externos. Foi um trabalho que me permitiu perceber melhor onde estava a UC e como a UC estava preparar-se para os grandes desafios que todos temos pela frente. Gostei de poder ter percebido melhor a situação e perspetivas da minha universidade. Mais tarde fui desafiado para integrar o conselho geral e depois, todos os seus elementos, internos e externos, elegeram o presidente do órgão e essa escolha veio a incidir sobre mim. O presidente tem que ser um elemento externo. E é com muito interesse que tenho assumido o exercício destas funções.

Defende que o país só progredirá se se for buscar os melhores às universidades…

Repare que as universidades têm no seu seio os melhores: os docentes e investigadores são pessoas de grande qualidade na sociedade portuguesa e, portanto, aqui reside um enorme potencial para formar melhor os nossos recursos humanos, para assegurar a sua formação contínua, para gerar conhecimento. E é desejável transferir esse conhecimento gerado para as empresas, para o Estado, as autarquias e permitir que esse conhecimento seja depois transformado em valor económico para o país. Portugal precisa muito disso: temos problemas sérios de produtividade e de competitividade. E esse é um desafio que está ser ganho.

Valoriza, então, os investimentos realizados na área da educação?

Acho que as universidades portuguesas e a capacidade de gerar conhecimento no país deram um grande salto nestes últimos 10 anos e o nosso país, em muitos indicadores, já está à frente da média da Europa e está à frente de países com que nos comparamos muito, como é o caso da Espanha e da Itália, seja em termos de número de investigadores, seja em investimento em investigação (em relação ao PIB, claro, não em valores absolutos…). O nosso país, em 2009, estava praticamente a cumprir aquilo a que se obrigou em 2000 com a Agenda de Lisboa, enquanto a Europa ficou muito aquém daquilo a que se tinha comprometido. Foi um grande sucesso do nosso país e é um sucesso de que são responsáveis as políticas que o governo fixou para apoio ao ensino superior e à ciência e, com grande ênfase, as nossas universidades e os centros de investigação.

E a sociedade soube acompanhar esse desafio?

A sociedade em geral também respondeu muito bem porque as empresas que só tinham um quinto do esforço que o país fazia e que era muito modesto há 10 anos, realiza hoje mais de metade do esforço feito em investigação e desenvolvimento, em geral em grande articulação e com grande utilização da capacidade das universidades.

Neste momento está a decorrer um processo de eleição do novo reitor. Houve dois candidatos estrangeiros. Como avalia este interesse em ser reitor da UC?

O concurso é internacional e esse interesse de concorrentes estrangeiros é sinal de que Portugal, neste domínio – como em muitos outros –, atrai valores de outros países.

Os dois candidatos aceites são Cristina Robalo Cordeiro e João Gabriel Silva, ambos da Universidade de Coimbra. São bons candidatos, na sua opinião?

Acho que sim. Ambos são candidaturas que temos que estudar e analisar com a maior profundidade e isenção.

Como avalia os mandatos do atual reitor Seabra Santos?

Tenho uma opinião muito positiva. Foi uma personalidade que muito contribui para que as políticas que se adotaram tivessem sido as mais corretas e muito contribuiu para reforçar a importância da Universidade de Coimbra na sociedade portuguesa e no mundo. Teve mandatos muito bem sucedidos. Além disso, também pela sua participação no CRUP e pelas posições que sempre tomou, contribuiu para que as políticas portuguesas de apoio ao ensino superior e à investigação fossem as mais corretas. Penso que deu um contributo muito positivo para o salto que a universidades portuguesas têm vindo a dar.

No entanto, Seabra Santos foi sempre um crítico em relação à redução do orçamento para as universidades…

Acho que esses problemas estão desdramatizados. As universidades portuguesas tiveram que incorporar nos seus custos, os encargos com a Caixa Geral de Aposentações dos funcionários públicos porque até aos primeiros anos desta década o sistema de previdência respondia pelas responsabilidades com pensões, mas as universidades não pagavam nada. Isso passou a ser feito, como é lógico. O que aconteceu foi que, quando nós procuramos sanear as finanças públicas portuguesas, houve esse esforço – na minha opinião, excessivo –, que foi pedido às universidades portuguesas. Por outro lado, as universidades mais eficientes deixaram de poder usar em investimento recursos que tinham acumulado por boa gestão ao longo dos anos. Porque aquilo que eram capitais próprios das universidades não podiam chegar ao fim do ano comprometidos com nada. Podiam ser usados em operações de tesouraria ao longo do ano, mas não podiam ser utilizados em atividades de investimento ou, atividades novas que, numa primeira fase obrigam a usar capitais próprios porque são geradores, no imediato, de prejuízo. E as universidades deixaram de poder fazer isso, o que foi, na minha opinião, negativo. A razão era esta: qualquer utilização desses recursos acumulados para lá do próprio ano agravaria o défice público. Por essa razão foi introduzido esse constrangimento.

“As propinas são relativamente baixas”

É da opinião que as universidades são muito dependentes do apoio do Estado?

As universidades portuguesas têm vindo a melhorar, mas estão ainda muito dependentes do orçamento do Estado e deviam já ter mais fontes de receitas que não as tornasse tão dependentes do apoio estatal, exatamente porque podem prestar serviços, fazer investigação para empresas e cobrar quer em consultoria, quer em investigação para apoio a atividades de inovação na sociedade portuguesa. Também deveriam estar muito mais presentes na prestação de formação contínua. Acho que o orçamento das universidades portuguesas está muito dependente do apoio do Estado e que as propinas são relativamente baixas.

Ainda assim, foi estabelecido com as instituições um Contrato de Confiança…

Penso que o ano de 2010 foi um ano muito importante porque apesar de todos os constrangimentos que o nosso país enfrentava, foi decidido esse apoio às universidades. E foi feito, em geral, um ajustamento a uma situação muito exigente e muito negativa dos últimos anos.

Que solução defende para que haja um maior diálogo entre o governo e as universidades?

O que eu defendo é que, na medida do possível, o Estado crie uma entidade independente que dialogue com as universidades portuguesas públicas e que discuta os apoios que elas devem ter, mas de maneira a que esses apoios tenham um quadro a médio e a longo prazo e, depois, um quadro de curto prazo, como é normal. Além de um plano anual, deve haver um quadro de referência de longo prazo sobre o que é que cada universidade deve ser nos próximos cinco anos. Em Portugal, o processo de diálogo entre as universidades e o governo é um processo muito desgastante e que é muito feito à última da hora e as coisas que se resolvem à última hora muitas vezes não dão bons resultados. O ideal era dispormos de uma entidade independente, um corpo do Estado, mas as pessoas que o integrassem fossem independentes do Governo, que executariam uma determinada política em relação ao ensino superior e à investigação. Isso já está conseguido com os Contratos de Confiança, mas o diálogo continua a ser diretamente entre o Estado e a universidade.

Há pouco disse que as propinas são baixas… Defende um aumento?

Entendo que devemos ter um ensino superior sustentável e, portanto, tem que estar assegurado o acesso de todos ao ensino, mas o sistema de propinas deve merecer uma reflexão séria. Se queremos as universidades a investir, a crescer e a responder às necessidades do nosso país, não podemos esquecer o seguinte: a Agenda 2020, que a comissão europeia aprovou e que é o prolongamento de um quadro estratégico a 10 anos – estabelece que em 2020, 40 por cento da população entre os 35 e os 34 anos deve ter pelo menos um grau académico no ensino superior. Neste momento temos 21 por cento. Portanto, o sistema de ensino superior vai ter que fazer um grande esforço para poder responder a esse desafio.

E isso vai obrigar a um maior esforço dos alunos?

Isso vai obrigar a um esforço maior do nosso ensino superior, a uma maior necessidade de recursos financeiros. Mas, no quadro em que o nosso país está, penso que uns dos caminhos, como muitos países têm utilizado, é ser assegurado um esquema de financiamento aos estudantes que lhes permita que tenham acesso ao ensino superior mesmo que não tenham recursos para pagar as propinas, mas com o financiamento em condições de prazo e custo muito favoráveis.

Esse sistema de empréstimos já existe em Portugal…

Sim, mas, por exemplo, na Inglaterra é muito interessante porque, ainda antes desta última reforma que conduziu a um agravamento das propinas, os empréstimos são reembolsados em 25 anos, mas só começam a ser reembolsados depois de o antigo estudante ter atingido um nível de remuneração que lhe permita amortizar o empréstimo. Neste momento há uma grande contestação dos jovens ingleses ao aumento significativo que o atual governo fez nas propinas. Confesso que não tenho uma ideia pré-estabelecida sobre isso mas acho que é uma matéria que tem que ser estudada em todas as suas implicações porque ao sistema universitário vai ser pedido um grande esforço. E nós temos que ter os melhores recursos humanos se queremos ser mais competitivos.

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