“O preservativo comanda o mundo!”- gritou o homem para que todos os sossegados clientes da pastelaria fina da cidade o ouvissem. Minutos antes, o jovem maltrapilho exigira um copo de tinto ao empregado da pastelaria. Depois subiu para uma cadeira e de copo na mão discursava. Eu interrompi a degustação do café, preparando-me para o espectáculo que se previa.
“O preservativo comanda o mundo!”- repetia. Os clientes hesitavam entre o incómodo e a curiosidade pelo discurso da estranha personagem. Calças e camisa rotas, mas impecavelmente asseado. “Comanda o mundo! E o Papa reconheceu-o.” – erguia o copo. ”E viva o Papa! Atrasada, sempre atrasada a nossa igreja… Vejam lá os ingleses. Esses consideram que o preservativo é obrigatório! Sim, meus senhores. Os ingleses são muito evoluídos. A camisinha lá é obrigatória.”
Uma jovem estudante de mão dada com o namorado ria-se. “A menina não se ria que se vivesse na Inglaterra era obrigada a usar preservativo. Lá todos são obrigados. Até o Papa, se fosse inglês.” Alguns clientes sorriam, aliviados, o homem era tolo, mas inofensivo. Outros, porém, ainda se mantinham apreensivos. Um casal de idosos indignava-se lá na mesinha do canto entre chás e torradas com manteiga. “ O preservativo é obrigatório. Quem não usa vai preso. A menina que é estudante não sabe nada!” Ela ria-se nos olhos do namorado que se viu obrigado a interferir na relação. “Mas é obrigatório porquê? Explique!”O homem ergueu de novo o copo e foi como se decretasse um silêncio profundo. Até mesmo o gerente que se aproximara para dar fim ao inusitado entremez, inadequado a tão fina pastelaria, se imobilizara, esperando. “Saibam os senhores… A menina também…” e olhava-a nos olhos, para agravo do namorado ciumento. “Na Inglaterra é crime fazer sexo sem preservativo. Tão finos e não lêem jornais?! Esse fulano australiano, o Assange, que anda para aí a revelar segredos dos americanos está preso por ter dormido com uma agente da CIA sem ter usado preservativo e ter tido sexo com outra que estava a dormir. Lá é normal dormir com desconhecidas, grave é não usar preservativo. Agora, vai ser extraditado. O preservativo comanda ou não o mundo? O que diz a menina?” Ela nada disse. O namorado, agitado, foi como se dissesse. “Criminoso! Dorme com uma agente da CIA sem camisinha. Extradite-se! Só o Vale e Azevedo é que continua lá de férias. Porquê? Usa preservativos, claro! E a menina?” O namorado levantou-se: “O homem é doido!” “Não é!”- respondeu ela. E todos na pastelaria suspeitaram que hoje o casal não usará preservativos.