Saudades

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Querida Mãe, nós por cá todos bem. Cheios de saudades e desejosos de te abraçar. Talvez já aí esteja quando leres esta minha carta. Queria muito estar aí. Tenho saudades de Coimbra. As neves da Europa podem ser bonitas mas trazem-me mortificado. Quero ver o meu rio. Olhá-lo ali da Portagem, vê-lo do governo civil ou da Conchada. Não há outro rio como o que se vê de Santa Clara, daquela capelinha, no logradouro que a brincar me dizias ser do senhor Adão. Daí o Mondego é um grande rio de esperança e liberdade.

Mãe, tenho muitas saudades de Coimbra. Estou cansado da estranja e desta vida desumana, noite e dia, dia e noite, sempre, sempre a trabalhar sem ter nada de meu. É certo que cá ainda vamos ganhando um pouco mais. Se assim não fosse nem valia a pena o exílio. E aí, na nossa terra, também se trabalha como escravos. Eu bem sei o que me conta o meu irmão… Horas e horas a fio para ganhar uns míseros tostões. Cá e lá é tudo cada vez mais parecido. Agora, dizem que quem manda são os mercados. E pensava eu que era o Sócrates e o Cavaco e que as eleições serviam para se escolher quem governa. Afinal, mandar mesmo, mandam os mercados. Vê lá, querida mãe, às vezes ponho-me a adivinhar o rosto dos senhores dos mercados e por mais voltas que dê não consigo. Têm rosto? Serão como o Durão Barroso ou mais do tipo do Belmiro? Quer-me parecer que estes são apenas arraia-miúda. Ao que chegámos…

Eu podia estar aí nestas festas com a minha gente. A matar saudades. A correr a cidade toda. Ainda que fosse a pé. Já sei que acabaram com o “metro”. O que vão fazer aos buracos da cidade? E o caminho para a Lousã? Arrancaram as linhas, não há comboios. Sem as automotoras viaja-se de camioneta, mas já me disseram que estes transportes vão acabar também. Então, o caminho da Lousã e de Miranda vai fazer-se a pé como há séculos? Ou de mula?

E o Hospital Pediátrico já abriu? Aos anos que está por abrir. Mãe, contaste-me na última carta que me escreveste que vão fundir os hospitais. O da Universidade com os Covões. É verdade? O João diz que as urgências são já um verdadeiro pandemónio desde que encerraram centros de saúde e que há cada vez menos pessoal. Nem entendi lá muito bem! Se até aqui há enfermeiros portugueses a trabalhar por não terem emprego na nossa terra… Que confusão enorme vai ser esse novo hospital! Pelo menos é possível que seja o maior do mundo! O hospital da universidade já era o maior de Portugal, agora esse hiper-hospital terá quase 2500 camas e dois milhões e meio de utentes! Nalguma coisa temos de ser os primeiros. Não é só nas desigualdades entre ricos e pobres ou no número de doentes mentais.

Mãe, apesar de tudo tenho muitas saudades da nossa terra. Quero abraçar-te. E ver as águas do Mondego a correr para o mar. Lá do cimo do logradouro.

Um grande beijo do teu filho. Quase morto de saudades.”

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