D. Albino Cleto em entrevista

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Numa diocese onde, em 13 anos, morreram 56 padres e só entraram cerca de 20, o bispo de Coimbra defende que os sacerdotes se concentrem na celebração da palavra e apenas assumam a coordenação das restantes tarefas, a serem atribuídas aos leigos.

P – Há uma crise de vocações sacerdotais. A diocese de Coimbra é daquelas que continua a perder padres?

R – Continuamos a perder padres. Desde que estou na diocese, nos últimos 13 anos, sepultaram-se 56 padres e só entraram de novo vinte e poucos, ordenados pela diocese ou vindos de fora. Há, portanto, um défice de dois terços. A falta não me aflige tanto porque há um reestruturação que incida muito na responsabilidade dos leigos. Não para que substituam os padres, é para que seja uma Igreja mais conciliar da co-responsabilidade. Que os leigos assumam por direito diversas tarefas, seja a catequese ou as contas da festa em honra do santo.

P – Mas é o padre que tem de estar no altar?

R – O padre tem que fazer com qualidade aquilo que lhe é próprio: saber presidir à eucaristia, celebrar o perdão dos pecados, que tenha tempo para ouvir as pessoas nos seus desabafos e, a concluir, que seja chefe de orquestra. Que não seja ele a tocar todos os instrumentos, mas que seja ele a coordenar.

P – A verdade é que, ao domingo, vê-se cada vez mais o padre a correr entre paróquias para dar três ou quatro missas…

R – Às vezes acontece e os padres, generosamente, o fazem. Só lhes peço que façam com dignidade. Que não caiam no erro de celebrar missa a despachar. Uma celebração é para ser bem feita, não é apenas um momento de cumprir um preceito. Senão, mais cedo ou mais tarde, os jovens e os adultos deixam de lá ir.

P – Já teve que “puxar as orelhas” a algum padre por esse motivo?

R – Já, mas delicadamente, porque respeitei a sua generosidade. Foi quando um padre me disse no final de um domingo que tinha celebrado sete missas e algumas com procissão porque era o mês de agosto, quando todas as terras fazem as suas festas. Por isso, disse-lhe: olha, foste generoso, mas a verdade é que, aquilo que fizeste não resultou.

P – Estamos a chegar ao fim de um ano em que Portugal recebeu a visita do Papa Bento XVI. Foi um ano especial…

R – Sim. A mensagem do Papa foi significativa. Para o grande público representou um gesto de atenção para com o país, até porque não esperávamos que viesse tão cedo. Depois aquilo que vós, jornalistas, sublinharam: afinal tínhamos uma imagem severa do Papa, mas toda a gente viu um sorriso simpático e uma simplicidade tocantes. Depois, para um público próprio, os discursos do Papa foram muito importantes. Seja o que disse no encontro dos bispos, às pessoas da cultura ou aos operadores do serviço caritativo. Não foi um discurso de circunstância. Deixou pistas novas para situações novas.

P – Entretanto, há duas semanas, Bento XVI reconheceu que, em determinadas circunstâncias, a Igreja aceita o uso do preservativo?

R – Não acho que as suas palavras tivessem significado uma mudança na orientação da Igreja sobre o preservativo porque, discretamente, muitos de nós, confessores, bispos e padres, o dizíamos. Isto é – como o Papa o tem dito – usar o preservativo, supondo que, com ele, acaba a sida, é a mesma coisa que curar um cancro com analgésicos. A comparação não é minha. Por isso temos que arrancar as raízes do mal se queremos lutar com eficácia contra a doença. Agora em situações concretas, como o Papa disse, os confessores têm-no dito também. Numa situação em que marido e mulher não se entendem se não usarem o preservativo, então do mal o menos, uma expressão aceite pela moral cristã.

P – Portanto não ficou surpreendido?

R – Não. Digo-lhe de verdade, agradou-me que o Papa tivesse a simplicidade de dizer aquilo que efetivamente se pensava. Assim, esclareceu muitas pessoas que pensavam que o preservativo era o diabo, coisa horrível, o pior que podia acontecer.

P – Acha que ele deveria ter dito isso antes?

R – Já vi isso escrito num artigo. Talvez…

P -Perante a crise que efeta as famílias, qual tem sido o papel da Igreja?

R – Independentemente de haver crise, o evangelho manda-nos a todos nós, cristãos, que não descuremos a caridade, ao lado da evangelização e da celebração da fé. Com o agudizar da situação temos apelado para que cada cristão seja o primeiro a praticar a atenção e a caridade junto dos que mais precisam. Em segundo lugar, organizar respostas estruturadas de comunidade. Está a fazer-se a nível nacional, através da Cáritas, com um fundo que tem o apoio de todas as dioceses.

P – São essas as conclusões da recente assembleia plenária da Conferência Episcopal?

R – Foi aí que se deu a aprovação do fundo criado pela Comissão Episcopal da Pastoral Social, presidida pelo senhor D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa. Apoiámos também a iniciativa do grupo de gestores cristãos portugueses, que se disponibilizaram para diversas iniciativas, algumas das quais geradoras de postos de trabalho. Em Coimbra, existe a Cáritas, que se integra na Cáritas nacional. Por isso as ofertas que recebemos são para Coimbra, mas integradas no plano nacional. Isto para evitar sobreposições, porque há pessoas que batem a todas as portas, e nem sempre são as que mais precisam. De agora até à Páscoa, vamos insistir com os cristãos, de modo a fazermos recolhas. Será nessa altura que faremos a renúncia quaresmal.

P – Mas antes, estamos às portas do Natal e a pobreza é muita…

R – Entretanto, em Dezembro, sendo o mês do advento, vamos pedir a cada paróquia para que conheça discretamente e carinhosamente as situações mais carenciadas. São casos muito variados: ou porque perderam o emprego, ou porque baixou o abono de família, ou porque deixaram de pagar a prestação da casa e vêem-se na situação de ter de ir para a rua com um processo em tribunal. Cada paróquia pode trabalhar através das conferências de São Vicente de Paulo, dos secretariados de ação caritativa ou dos departamentos locais da Cáritas que as paróquias têm… e se não têm, que inventem. O que é preciso é que prestem um serviço de atenção social e caritativa. É que andamos a falar de crise e de pessoas desempregadas, mas a verdade é que quando chegamos a uma paróquia e pergunta-mos: “sabe quem são?”, respondem-nos apenas: “há por aí muitas”. Tem que ser feito um levantamento destas situações, por exemplo das pessoas que vivem sozinhas, e que seja feita uma visita a cada uma delas nas proximidades do Natal, levando-lhe, quanto mais não seja, uma flor.

P – Tem uma leitura das causas desta desregulação económica e social a que chegámos?

R – Não sou a pessoa indicada para apontar causas próximas, mas sou capaz de refletir um pouco sobre causas anteriores, mais profundas. Primeiro: o individualismo que tem levado a uma competição desenfreada, que faz até com que não se respeite muito a verdade, desde que o jogo económico resulte, mesmo que seja preciso fazer um disfarce na Bolsa e se prejudique o outro. A isso se junta o materialismo e a procura do prazer a qualquer preço: seja um bom jantar, um carro maior que o do vizinho ou uma bela casa.

P – Mesmo perante os alertas constantes da Igreja…

R – A presença da Igreja na sociedade atual faz recuar ao tempo em que Cristo considerou ser o “sal da terra”, referindo-se a um pequeno grupo que tem de dar sabor à comunidade. Os tempos atuais não são como há alguns séculos em Portugal, quando a Igreja falava e isso tornava-se norma de comportamento, sobretudo porque tínhamos uma população muito mais ruralizada. A voz da Igreja continua a ter ecos. Veja-se a atenção que se dá aos pronunciamentos do Papa, que enchem páginas de jornais, mas já não tem o mesmo efeito que tinha há 50 ou 100 anos.

P – Tem saudosismo desses tempos?

R – Não. Como já disse, a situação da Europa agora é muito mais parecida com a da Europa nos primeiros séculos. Os cristãos eram poucos, mas a verdade é que deram a volta ao Império Romano com a sua atitude e os seus princípios: eles foram o sal da terra. Volta a acontecer o mesmo. A Igreja não desanimou, nem desanima.

P – Falou à pouco da ambição das pessoas por grandes casas. Neste aspeto, também a Igreja construiu grandes edifícios, que muito consideram de ostentação!

R – Eu próprio serei um dos que está atento a essa crítica, mas confunde-se aqui um valor de séculos passados e o presente. A Deus devemos dar o melhor que temos, porque Ele é querido e amado e fonte de vida. Por isso vamos fazer uma igreja bonita, vamos dourar os altares, vamos comprar três sinos, em vez de apenas um. É um exagero, até porque, às vezes, tem a ver com rivalidades entre paróquias. Como é que se corrige isto: com a humildade da verdade: vou gastar de acordo com o que posso pagar.

P – Na área da Educação, como é que vê a anunciada rescisão dos contratos de associação das escolas?

R – Subscrevo o que disse Conferência Episcopal. Esperamos que o Estado não volte atrás nos apoios. A Educação não é uma especialidade do Estado. A Educação assenta sobretudo nos direitos da família – que deve escolher o que quer para o seu filho – e no princípio da subsidiariedade. Aquilo que pode ser feito localmente, é assim que deve ser. Se foi criado um colégio numa terra, seja da Igreja ou de uma cooperativa, o Estado tem é que avaliar a qualidade dessa resposta. Se for ensino de qualidade, fica muito mais barato ao Estado do que fazer uma escola nova.

P – Já se confrontou com casos concretos deste tipo?

R – Olhe, ainda há três semanas estive na Pampilhosa da Serra, em que os alunos não são menos dotados, mas a escola fica nos últimos lugares do ranking. O que eles me dizem é que os professores estão sempre a mudar.Isso é, naturalmente, prejudicial.

P – Há escolas privadas que vão ter dificuldade em sobreviver sem os contratos de associação?

R – Já falei com o diretor do colégio da diocese – o Colégio São Teotónio – e ele tranquilizou-me, dizend que não me afligisse.

P – E qual é a situação nos outros colégios católicos?

R – Estamos a avaliar a situação no conjunto dos seis colégios que existem na diocese: O Rainha Santa Isabel, São José, dos Padres Jesuítas de Cernache, o da Figueira da Foz e um particular do 1.º Ciclo que é o João XXIII. Vamos ver…

P – Entretanto, ao atingir a idade limite, o senhor bispo está de saída…

R – Ainda não tirei o bilhete para a viagem, portanto continuo como pastor da diocese, mas penso que lá para finais de Fevereiro, princípios de Março, entrego esta responsabilidade. É, portanto altura, reconheço, de arrumar as malas e preparar a casa para quem vier.

P – É, portanto, um tempo de balanço?

R – Penso que – tal como disse São Paulo – quem me julga é Cristo. Ele que me perdoe as minhas limitações, e digo-lhe algumas. Quando vim, há 13 anos, procurei abrir os olhos e ver, e sonhei. A cidade seduziu-me e pensei em implementar uma pastoral juvenil e universitária muita animada. Está a caminhar com vitalidade crescente, porque temos pólos de animação cristã em todas as faculdades. Mas reconheço que o sonho era muito superior. Não foi possível, talvez porque os estudantes têm muito menos tempo do que tinham nos tempos áureos do CADC. Depois, devia ter promovido mais a pastoral das vocações. O nosso seminário não fica atrás das outras dioceses, mas temos apenas 20 seminaristas. Prometi criar um centro apostólico, que seria ali no espaço da velha gráfica. Por razões, mais de ordem burocrática do que financeira, vou-me embora e a velha gráfica continua como a encontrei. Aqui ficam algumas falhas, e outras terão existido… que Deus me perdoe.

P – E pelo lado positivo…

R – Algumas coisas levo no coração, pelas quais dou graças a Deus. Sinto que é uma diocese unida. Sinto que o clero se estima e me estima, e eu procuro estimar o clero. Portanto a relação de trabalho funcionava, embora falte, tanto ao clero, como aos leigos, imaginação para dar respostas atuais a problemas atuais. Será tradicionalismo. Somo muito dependentes daquilo que se costuma fazer e daquilo que os outros nos dizem para fazermos.

P – Vai transmitir todas essas reflexões ao seu sucessor?

R – Se ele me pedir, com toda a abertura, com certeza, mas não vou dizer “tome atenção a isto ou aquilo, porque o senhor tem de assim continuar”… não. Que ele venha com toda a liberdade de atuação, mas prevejo que ele me vai fazer perguntas.

P – E o seu futuro?

R – Vou continuar a ser bispo. Tenho já, na minha agenda, alguns trabalhos. Primeiro, servir o Povo de Deus, naquilo que me for pedido, por exemplo, dirigir alguns retiros. Fazer algumas palestras, naquilo em que posso ensinar alguma coisa. Outro grande trabalho, e preciso de lhe dispensar muito tempo, é arrumar a vida e as coisas. Há um dossiê em que tenho um particular empenho: visitei as 269 paróquias da diocese, fiz um relato da sua situação. Num segundo giro, possa já estabelecer uma comparação. Esses relatórios, que são clássicos da história da Igreja, serão importantes para o futuro.

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