P – O que é que o apadrinhamento civil vem trazer de novo às crianças e jovens institucionalizados?
R – O instituto do apadrinhamento civil é mais uma via para colocar as crianças numa família. A certa altura, várias pessoas e nós próprios, no Observatório da Adoção, convencemo-nos que as vias definitivas – a adoção e o regresso à família – para colocar crianças não eram suficientes. O regresso à família é muitas vezes difícil, os técnicos procuram intervir e conseguem em muitos casos, mas noutros não têm sucesso em tempo razoável. De modo que há crianças a mais nas instituições, a mais para os padrões de hoje, em que a sociedade está cada vez mais alerta e é cada vez mais cuidadosa com as crianças, gerando-se a ideia que as instituições não são o ideal.
P – E as instituições não são o ideal para as crianças crescerem?
R – Pois. Hoje estamos todos convencidos disso. Há 50 anos, pensávamos todos que era bom. Claro que é melhor que estar na rua, mas gostaríamos sobretudo de colocar as crianças numa família. Se a família delas, a biológica, não funciona, não pode recebê-las, então a outra solução é a adoção. Mas a adoção é, de certa forma, um instituto violento, é definitivo, corta os laços com a família biológica, as crianças integram-se numa família nova. Mas, às vezes, as famílias de onde vêm não conseguem cuidar delas, mas não são tão más que possam ser eliminadas da história da criança. Depois, quando as crianças são um bocadinho maiores, mesmo com um passado difícil, guardam algumas ligações e afetos, e é violento apagar isso. Em suma, o que eu quero dizer, sem falar a favor ou contra a adoção, é que esta é um instituto muito radical e que, às vezes, não pode ser aplicado por não estarem reunidos os pressupostos legais, pelo que as crianças não são adotáveis.
P – Há cada vez mais crianças nessas condições?
R – Se há entre 10 a 12 mil crianças em instituições, há 800 ou mil crianças à espera de adoção. Portanto, há ali nove ou 10 mil crianças que não estão à espera de adoção e que não voltam para as famílias biológicas. Ou seja, está a faltar um outro caminho, uma terceira via.
P – O apadrinhamento civil é essa terceira via?
R – A ideia é essa. Se as crianças não estão em condições de ser adotadas, se as famílias não podem recebê-las de volta, mas podem manter-se presentes na vida delas, então talvez as crianças possam ir para outra família, que não querem ser pai e mãe, não querem ter um filho, não querem, não precisam, têm lá os filhos em casa ou já os criaram, mas podem cuidar de uma nova criança.
P – Cuidar, aqui, é a palavra-chave?
R – É. Cuidar é a palavra certa para definir o apadrinhamento civil. Finalmente, como os padrinhos católicos.
P – O instituto é inspirado nos padrinhos católicos?
R – É uma inspiração, claramente. Da mesma forma que há casamento católico e casamento civil, também passa a haver padrinhos católicos e padrinhos civis. Porque é suposto que os padrinhos católicos substituam os pais quando estes não podem cuidar da criança. É também esta a ideia. E colaboram uns com os outros. Por isso, a família biológica não desaparece, pelo contrário, colabora, coopera. Há pessoas que duvidam desta possibilidade de cooperação…