O povo é sereno, mas isto não é só fumaça

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Naquele dia de Abril de 1974 foi enunciada uma revolução. Mas Portugal não mudou e, acima de tudo, aprendeu pouco. Todos os vícios do passado se mantiveram ou foram agravados. Estou a pensar e a escrever este texto umas horas depois de ter ouvido o primeiro-ministro a anunciar brutais medidas de austeridade, depois de ter andado mais de um ano a desmentir que seriam necessárias, e de ter ganho, há menos de um ano, as eleições legislativas com o argumento único de que não faria o que agora anuncia.

Pessoalmente sinto-me insultado pelo Governo, pelo primeiro-ministro, e por esta classe política que mente descaradamente e esconde a informação, para logo de seguida, quando se demonstra a sua incompetência e desfaçatez, vir dizer que “o POVO tem de sentir as crises” (Almeida Santos, PS).

Não era assim que se fazia no antigo regime? Apetece-me GRITAR um palavrão. Vêm-me à cabeça alguns, muito feios, mas contenho-me, não sei muito bem porquê. Cito só Camões: fraco rei faz fraca a forte gente.

Este REGIME está FALIDO e não tem solução. É preciso fazer serenamente a revolução que nunca fizemos: esta crise é uma oportunidade de pensar Portugal, de forma séria e participada. É um dever patriótico compreender esta necessidade. Não podemos deixar tudo na mesma.

A mesma irresponsabilidade e falta de seriedade nos órgãos de poder, com pessoas eleitas na base de campanhas eleitorais enganosas, feitas para iludir o povo e facilitar a eleição. Ser eleito e tomar posse é assinar um contrato com o país. Um compromisso formal com o que foi enunciado na campanha eleitoral, e que dá sentido à frase que todos dizem quando tomam posse: “eu, abaixo assinado, afirmo solenemente, pela minha honra, que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas.

Pois: SOLENIDADE, HONRA, LEALDADE e CONFIANÇA, alguém ainda sabe o que isso quer dizer?

A mesma falta de sentido de missão e desrespeito pela causa pública.

A mesma falta de elevação, sentido de dever e desprendimento no desempenho de funções para as quais se espera a sua melhor atenção e competência. Um político está ao serviço dos outros e não pode ser uma pessoa qualquer; tem a vertigem do risco, e vive como pensa, sem pensar como viverá. Por isso tem imunidades várias e (deve ter) salário compatível. Porque enfrenta, por todos nós, interesses instalados e representa a causa comum.

Não são benesses, mas antes necessidades. Não são objectivos, mas antes uma compensação. Percebem agora porque não basta ter sido jota para ser um eleito ou inventar um passado com inglês técnico? É preciso ter enfrentado as dificuldades da vida, saber de saber feito e demonstrado, como forma de garantia de que se entende o compromisso solene que representa o exercício de funções públicas.

A mesma ausência de transparência e informação sobre a actividade governativa. É tudo segredo e muito manhoso. Inventam-se debates mensais no parlamento com o Governo que para nada servem. São jogos e intrigas de poder que não respeitam o direito do povo à informação. A esmagadora maioria das intervenções não tem substância e resumem-se a insultos e acusações. É preciso que saibam que a transparência é um dever associado ao exercício de funções públicas e uma condição necessária para a confiança.

O mesmo alheamento da maioria da população relativamente à actividade governativa. Pura e simplesmente não querem saber. Não avaliam. Encaram as eleições como um jogo de futebol, onde o clubismo supera a razão e a urgência das opções. Criam assim, objectivamente, as condições para os enganos.

Portugal está numa situação muito complicada, necessitando de medidas ainda mais duras do que as anunciadas. Temos de gerar confiança no exterior, para que aqueles que nos emprestam dinheiro (porque vivemos acima das nossas possibilidades) percebam que vamos cumprir as nossas obrigações. Mas acima de tudo temos de perceber que os problemas se resolvem com estudo e com trabalho, e não com facilitismo e aldrabice.

No entanto, nada do que foi anunciado é estrutural, ou permite sequer concluir que se percebeu que este regime terminou e não tem reforma. Não se enfrentam desafios novos, com soluções velhas e com estes políticos sem chama, sem capacidade de liderança. Não se convençam de que lá porque o povo é sereno isto é só fumaça. Porque não é.

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