Manuel Alegre: “Cavaco revela falta de firmeza”

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P – Admite ir a votos, em Janeiro, com um Governo em funções de gestão?

R – Bem, eu não sou procurador do Governo, nem das oposições nem do Presidente da República. São eles que têm legitimidade democrática para decidir…

P – Mas gostaria que o Orçamento fosse aprovado?

R – Eu não me vou pronunciar. Acho muito mal que forças exteriores ao poder político, nomeadamente a banca, andem a fazer pressão e a sobrepor-se ao poder democrático e contrário à Constituição. Acho inadmissível e intolerável que ande alguém exterior ao sistema político, seja a banca ou outra entidade qualquer, a fazer o papel de moderador ou de mediador.

P – Acredita que o primeiro-ministro se demite, caso o Orçamento não passe?

R – Essa é uma pergunta que deve ser feita ao primeiro-ministro. Agora, o Orçamento é um instrumento essencial para a governação e ele já disse que não fica. E, tanto quanto o conheço, é homem para cumprir aquilo que diz.

P – Nesse contexto, como avalia a hipótese de o Presidente da República vir a convidar outra personalidade…

R – Vejamos. É preciso conhecer a Constituição. Já não há governos de iniciativa presidencial. Não há nenhum governo que não seja feito de acordo com o Partido Socialista e os demais partidos, no âmbito da Assembleia da República, esteio e a base da nossa democracia. Agora, é preciso dizer que vivemos uma situação política grave, em Portugal e em toda a Europa. E o que é grave são as medidas de grande austeridade, que a Alemanha está a impor a toda a Europa, que implicam uma transferência do poder económico, em países débeis, como o nosso, com consequências gravíssimas, por exemplo, para os funcionários públicos, professores, etc., que vêem os seus salários cortados, os pensionistas, que perdem parte das suas pensões, os estudantes, a quem as bolsas não são pagas.

P – Não pode ignorar o problema das contas públicas…

R – Eu sou candidato a Presidente da República e não a primeiro-ministro e nós temos um Governo com toda a legitimidade. Agora, claro que sei que há um problema grave, de endividamente crónico – que, por acaso, se alargou quando o atual Presidente da República era primeiro-ministro, altura em que entravam muitos fundos comunitários mas o endividamento subiu 10 por cento. Temos de resolver o problema do endividamento e das finanças públicas, claro. Mas uma coisa é uma política de rigor e outra é uma política de austeridade. Eu penso que temos de conciliar a consolidação das contas públicas com estímulos à economia e estímulos à criação de emprego, caso contrário vamos de recessão em recessão e de desemprego em desemprego. Um povo não pode viver, dizendo que este ano é mau mas para o ano ainda vai ser pior.

P – O que é preciso fazer, então?

R – É preciso dar um sentido ao sacrifício e dar um horizonte de esperança. Eu acho que é preciso um grande sentido de estado, mas também um grande sentido de justiça e de equidade, com uma grande sensibilidade social. É que isto não é apenas um problema institucional, é também um problema de défice social. 18 por cento dos portugueses vivem no limiar da pobreza e o que sabemos é que, sem as prestações sociais e sem a intervenção do Estado, elevar-se-á para 40 por cento.

P – Desta vez vai mesmo à segunda volta?

R – Deixe-me lembrar que, nas últimas eleições, sem apoio de nenhum partido, em dois meses e meio de improviso, de grande espontaneidade, numa campanha que foi pioneira, em termos de cidadania, eu fiquei a menos de 30 mil votos da segunda volta. Por isso, agora, creio que a segunda volta é muito possível.

P – Essa confiança tem a ver com a subida nas sondagens?

R – As sondagens são o que são, como sabemos. Mas, olhando para as que têm sido publicadas verifica-se que há um traço comum: o atual Presidente da República baixa e eu cresço. E na mais recente, que saiu esta semana, no Correio da Manhã, eu chego aos 35,7 por cento, que é um número já muito significativo.

P – A proliferação de candidaturas à esquerda pode ser um óbice?

R – Não. Eu julgo que isto se está a bipolarizar e a decisão vai ser num combate a dois, entre mim e Cavaco Silva.

P – O que o separa de Cavaco Silva?

R – Eu até tenho consideração pessoal e temos uma relação cordial e de respeito mutuo com o Presidente. É uma questão ideológica que nos separa.

P – Qual foi o erro mais grave da sua Presidência?

R – Ele cometeu um erro de fundo, na interpretação teórica dos poderes presidenciais, com a conceção assumida da cooperação estratégica. É que ele não governa, não é um super primeiro-ministro. Para além disso, o que se verifica é que não houve cooperação estratégica nenhuma e a que houve levou a um conflito muito grande, quase permanente, que erodiu a sua condição e a sua capacidade de moderação, como se está a ver agora. Por outro lado, há também a maneira como ele exerce os seus poderes mais simples…

P – Por exemplo…

R – Por exemplo, ele promulga uma lei e logo a seguir desvaloriza-a. Fez isso com várias leis, como a do divórcio, da paridade, etc. E recordo também a questão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores. Fez disso um conflito político, mas não mandou para o Tribunal Constitucional a norma que estava na origem do conflito. Depois, há ainda as situações em que todos esperavam que ele vetasse leis. Seria natural, até pela sua formação. No caso dele, o que se passou foi que deu a entender que queria e que iria vetar mas, no final, não vetou. Ora isto representa falta de firmeza de um Presidente, até nas suas convicções. E é uma coisa que o seu eleitorado, ou pelo menos uma parte dele, vai cobrar. Eu tenho valores diferentes.

P – Houve também o episódio das escutas em Belém…

R – Essa é uma daquelas situações que ainda estão por explicar – se é que alguma explicação têm. Foi um episódio triste.

P – Falou em valores diferentes…

R – O Presidente Cavaco Silva tem os valores que tem e que eu respeito. Eu tenho outros, como toda a gente sabe. Tenho uma conceção da vida e da sociedade bastante diferente da dele, mais aberta e mais moderna, menos conservadora, no que respeita aos costumes, aos novos direitos, mas também nas políticas sociais e na própria economia. O Presidente tem uma visão neoliberal e eu acho que é necessário outro paradigma, um outro modelo de desenvolvimento, porque senão as causas que produziram esta crise social e económica vão rapidamente produzir os mesmos efeitos. Mas também tenho uma visão mais cultural da vida política.

P – Acredita que Francisco Lopes vai até ao fim?

R – Isso é uma decisão que cabe ao Partido Comunista tomar. Mas o que sei é que o PCP apresenta sempre a sua candidatura e isso tem um lado positivo, pois ninguém melhor do que o PCP para mobilizar o seu eleitorado… enfim, pelo menos o seu núcleo duro, pois eu acredito que haja comunistas a votar em mim ou, eventualmente, noutros candidatos, logo à primeira volta. Mas, em determinadas circunstâncias, pode ser mesmo útil que o candidato do Partido Comunista vá a votos. É que, nas contas finais, os votos somam todos.

P – Como avalia o discurso eriçado de Fernando Nobre em relação a si?

R – Eu não sei quem é Fernando Nobre. Sei apenas que ele apareceu, desde o início, a tentar sobrepor-se a mim, logo na apresentação da campanha, em Lisboa, quando eu apresentava a minha, num jantar, em Coimbra. Portanto, ele dirá qual é o seu objetivo…

P – Há “dedo” de Mário Soares?

R – Eu não me pronuncio sobre essa candidatura. Ponto.

P – O que representa Coimbra na sua vida?

R – Coimbra é uma cidade afetiva, uma cidade relevante no meu coração e, além disso, representa a matriz da minha formação cívica, cultural e política. Foi aqui que participei na luta estudantil anti fascista, com todos os meus companheiros, como António Portugal, António Arnaut, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira; os grandes mestres como Paulo Quintela, Miguel Torga e a minha grande referência que foi o dr. Fernando Vale. Depois, Coimbra é o meu distrito de referência. Foi onde obtive a maior votação, a par de Évora e Setúbal, em 2006.

P – Tem acompanhado o imbróglio nas eleições para a Distrital do PS/Coimbra?

R – Eu já fiz o meu tempo e o meu percurso e os meus combates, como militante do Partido Socialista. Depois, tenho apoiantes num lado e noutro. Por isso, não me quero pronunciar.

P – Que significado teve a eleição de Portugal para membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, numa altura destas da vida do país e com os apoios que teve?

R – Eu penso que Portugal pode ter no mundo um papel de ator global, que é seguramente superior à sua geografia e à sua população. Tem a ver com a sua língua, a sua história, a sua cultura, com a relação multissecular que estabeleceu com outros povos, outras culturas e outros continentes. Mas é também bom sublinhar que, naquela votação, ficou a ver-se quem são os nossos amigos. Tivemos a Espanha, empenhada, tivemos o Brasil e toda a América Latina, tivemos a África Lusófona e já alguns países asiáticos. Ou seja, tivemos muito pouca Europa, o que prova que a nossa dimensão universalista não vem de Bruxelas para aqui mas parte daqui para o mundo e o nosso peso na Europa será tanto mais importante quanto nós potenciarmos essa dimensão euroatlântica e, agora, também europacífica.

P – Julga que deve ser mudada a lei que estipula que os Presidentes não podem anunciar uma recandidatura até 30 dias antes das eleições?

R – Para isso não é preciso mudar a lei. No fundo, todos os Presidentes prevaricaram um pouco. Este talvez tenha ido um pouco mais longe. O que é preciso é bom senso. Mas o que é mesmo preciso, tal como o ex-Presidente e meu amigo Jorge Sampaio disse, é mudar o prazo, encurtando-o, em que é possível dissolver a Assembleia da República. Seis meses não faz qualquer sentido e não existe em qualquer país do mundo. E, para isto, não é preciso rever a Constituição, pois é uma questão de lei eleitoral.

P – Acha democrático que a Constituição não permita a realização de um referendo para a Monarquia?

R – Bem, a Monarquia também não permitiu que houvesse um referendo para a República. Mas é um problema que não me aflige. Eu sou republicano e creio que a esmagadora maioria do povo português também. Penso que não há um problema de regime, em Portugal.

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