Na sua primeira entrevista após ser conhecida a data das eleições presidenciais, Fernando Nobre passa ao ataque, dirigindo as suas principais críticas a Manuel Alegre. Oo presidente da AMI – Assistência Médica Internacional tem 59 anos e mais de 30 de atividade humanitária.
P – Sendo um candidato sem carreira política, sente maior dificuldade em fazer passar a mensagem?
R – Não tenho uma carreira partidária, mas sempre tive uma intervenção política. O que se passa é que todos os outros podem invocar o seu passado, no meu caso, parece que às vezes é um pecado eu invocar o meu, de fundador e presidente da AMI [Assistência Médica Internacional], como se me estivesse a aproveitar.
P – Pretende sublinhar a sua vertente humanitária?
R – Faço 59 anos em dezembro e, nesta caminhada, 32 anos são de atividade humanitária e na defesa de questões sociais. É a minha marca identitária.
P – Por outro lado há quem o acuse de falta de experiência política.
R – O que eu não tenho é experiência política partidária, dos ditos corredores do poder. Mas eu acho que isso é uma mais-valia. É que eu estou a candidatar-me a Presidente da República. Ou seja, um cargo em que se exige extremo bom senso, experiência de vida, conhecimento do mundo e do país, e que possa estabelecer pontes, diálogos e consensos.
P – Mas também é preciso conhecer a teia de poderes instalada…
R – Será preciso? Estamos numa situação económica, financeira e social gravíssima, e tudo aponta que ainda se vai agravar mais. Se os políticos profissionais são tão competentes assim, como é que chegámos a este ponto? Pede-se uma lufada de ar fresco. Quando surge um cidadão que tem uma experiência de vida única no nosso país e se mostra disponível, parece que muita gente quer fazer marcha atrás invocando a necessidade de políticos profissionais. Repetindo o que disse o dr. Mário Soares há pouco tempo: os políticos são como os vinhos e ultimamente a qualidade deixa muito a desejar.
P – Sente-se portanto à parte?
R – Não fui apanhado nos vícios desses corredores do poder nem dessas intrigas palacianas, mesmo não tendo nada contra os partidos políticos.
P – Até porque já deu a cara em nomes de projetos políticos?
R – É verdade. Fui membro da comissão de honra da candidatura presidencial de Mário Soares; fui membro da comissão de honra de António d’Orey Capucho à Câmara de Cascais (concelho onde moro) e fui mandatário nacional da candidatura para o Parlamento Europeu do Bloco de Esquerda [BE].
P – Nesse sentido o BE foi ingrato consigo, apoiando Manuel Alegre?
R – Não considero. Até costumo dizer que Manuel Alegre é o candidato do Francisco Louçã. Por outro lado, na minha candidatura, tenho muitas pessoas do BE. Agora eles os dois é que têm andado de braço dado e daí que o Manuel Alegre, nos dois últimos anos, tenha sido o mais feroz opositor do seu próprio partido.
P – Isso é uma constatação ou uma crítica a Manuel Alegre?
R – Quando falamos de Manuel Alegre, não sei se estamos a falar do poeta e do retórico, se estamos a falar da pessoa que traiu o seu próprio partido nas últimas presidenciais, quando decidiu avançar contra o candidato oficial do seu partido, não sei se estamos a falar da pessoa que, nas últimas presidenciais, dizia que Louçã era o Salazar vestido do avesso, não sei se estou a falar da pessoa que disse que era mais importante ter uma cátedra de uma universidade do que ser Presidente da República de Portugal. Não sei de que Manuel Alegre nós andamos aqui a falar, porque ele não tem primado propriamente pela coerência.
P – E quanto a Cavaco Silva, partindo do princípio de que vai recandidatar-se?
R – Fiquei agradavelmente surpreendido quando ontem [segunda-feira] fui informado previamente da data das eleições presidenciais. A pedido do Presidente da República, o chefe da casa Civil, dr. Nunes Liberato fez-me um telefonema pessoal antes de tornar a data pública. Uma atitude que registo e uma data que me parece bem. Quanto ao professor Cavaco Silva, a única coisa que eu quero dizer é que acho que ele poderia e deveria ter sido muito mais interventivo porque, com a formação dele em economia e finanças, no mínimo, a partir da queda do Lehman Brothers, deveria ter enviado mensagens explícitas à Assembleia da República. Deveria mesmo ter convocado extraordinariamente a Assembleia da República, para marcar de forma indelével a sua preocupação e mensagens ao povo português de alerta, mas muito esclarecedoras.
P – Cavaco Silva foi lançando avisos à navegação…
R – Sim, mas tem feito um pouco a política de Pôncio Pilatos, lavando as mãos e lançando a responsabilidade sobre outros. Por exemplo, ele poderia não ter promulgado a obra do TGV. Poderia neste caso ter tido uma intervenção muito mais incisiva. Quanto a mim, não exerceu em plenitude o seu magistério de influência. Não nos esqueçamos que lhe cabe ser um mobilizador e um catalisador das boas vontades.
P – Anunciou a sua candidatura a 19 de fevereiro de 2010. Perante o atual cenário do país voltaria a fazê-lo?
R – Quanto mais o tempo passa mais eu considero que se justifica o imperativo moral e de consciência de cidadania que me fez avançar. As coisas agravaram-se substancialmente, mas já na altura eu antevia os problemas que aí vinham. Há oito meses, como anos antes, já eramos um país que consumia mais do que produzia.
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